Opinião

O mundo do wellness: indústria da alienação

por Luís Coelho
Fisioterapeuta de reeducação postural e ensaísta
16.07.2010

Chegam-nos mensagens diárias que garantem a transformação do nosso corpo em qualquer coisa de belo e perfeito. O que escondem?

Na inclusão das denominadas "indústrias do corpo", o wellness adquiriu um lugar um tanto ou quanto privilegiado no seio do tecido social ocidental, levando a que um certo conceito de saúde ganhe contornos de verdadeira abrangência, infelizmente incluindo essa indústria do bem-estar muito de indústria cultural (segundo a teoria dos filósofos da escola de Frankfurt), que se revela enquanto placebo psicológico e ilusório dos tempos modernos.

Esteticistas, massagistas e terapeutas proponentes de imensas "técnicas orientais" têm possibilitado a edificação de um conceito artificial de saúde, levando a que o termo perca o seu estatuto em prol de uma certa ideia de prazer efémero.

E não são poucas as vezes que as pessoas, pobres para o Serviço Nacional de Saúde e as mais variadas terapêuticas do sistema, mostram possuir meios para realizar as suas massagens relaxantes e/ou de emagrecimento (para além de incontáveis depilações, saunas, limpezas de pele, tratamentos anticelulíticos, tratamentos em spas e outros feitiços da mente), assim como as massagens Tui-na ou ayurvédica, ou para receberem os seus toques de Shiatsu e de reflexologia (estas ditas "massagens terapêuticas"...).

Uma afirmação de José Gil, na sua obra "Metamorfoses do Corpo", resume a essência do epifenómeno "indústria do wellness":

"Assiste-se actualmente, depois do esforço psicanalítico, a uma verdadeira invasão do culto do corpo. Pretende-se fazer falar o corpo, descobre-se a propósito de tudo e de nada 'um discurso do corpo', pretende-se que ele se liberte ou se exprima. Como se o objectivo fosse, neste momento, descobrir uma língua do corpo à qual se subordinaria qualquer terapia ou outra forma de linguagem: artística, literária, teatral ou simplesmente comunitária. Muito estranhamente, na mesma altura em que esta voga testemunha uma sensibilização crescente pelos problemas do corpo tendente a afirmar a sua importância nos mais diversos domínios, retomam-se velhas ideias, velhos esquemas [...]: este tornou-se o significante despótico que resolverá tudo, desde o declínio da cultura ocidental até aos menores conflitos intra-individuais. [...] Que corpo é este, em volta do qual se agitam estas terapias? Uma análise superficial revelaria neste campo uma maneira de fazer violência aos corpos - tomando, às vezes, as formas mais nuas de cinismo mercantil."

O corpo, que deveria ser respeitado enquanto ente, segundo o mais complexificado sistema de pensamento fenomenológico-existencialista, vê-se cada vez mais desvirtuado; ora é comumente substituído pela quimera da televisão ou da internet, ora é enganadoramente "vivido", numa crescente busca da abstracção do mundo concreto que não quer ser verdadeiramente vivido ou experienciado. Resta o adiamento da vivência perceptivo-motora, um dia tornada real por esse esforço diário que alguns profissionais de saúde e motricidade arvoram contra o fenómeno da descorporização.

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