A caça-talentos da literatura portuguesa

por Joana Stichini Vilela
15.07.2010

Maria do Rosário Pedreira descobriu José Luís Peixoto, João Tordo e valter hugo mãe. Acaba de lançar um novo autor

Neste momento, Maria do Rosário Pedreira tem 50 manuscritos de autores desconhecidos à espera dela. Pode ser que entre eles esteja o próximo grande talento da literatura portuguesa. A fiarmo-nos na matemática, o mais provável é que não. Por cada 100 livros que lhe chegam às mãos, há em média um publicável. "Maravilhosos são ainda menos", conta.

Ao contrário da maior parte dos editores portugueses, passa os olhos por tudo, mas mesmo tudo, o que lhe é enviado. Amostra que lê antes de rejeitar um livro: entre 25 e 30 páginas. Tempo que leva a perceber se "a coisa vale a pena": meia manhã.

No final de 2009, Maria do Rosário Pedreira, 50 anos, protagonizou um inesperado episódio no meio editorial português ao mudar-se da pequena Quid Novi para o gigante Leya. O desafio, justificou na altura, era irrecusável: ficaria responsável pela descoberta e edição de novos talentos, numa posição transversal a todas as chancelas do grupo. O primeiro rebento dessa função chegou o mês passado aos escaparates: "A Vida Verdadeira", de Vasco Luís Curado. E foi sob esse pretexto que recebeu o i na casa que partilha com o marido, também editor, e muitos milhares de livros, nas Avenidas Novas, em Lisboa.

"Lançar um autor novo é muito delicado", explica, enquanto apaga um cigarro num cinzeiro alto e cilíndrico, fininho como ela. "O livro deve sair entre fevereiro e junho. No último trimestre saem sempre os dos craques." As lições sobre edição hão-de multiplicar-se ao longo da conversa (sabia que, por muito bom que seja e regra geral, um autor não dá dinheiro à editora antes do terceiro livro?) - Rosário Pedreira trabalha na área há mais de 20 anos.

Vasco Luís Curado era um dos 150 autores que a esperavam quando chegou à Leya. Concorrera ao prémio literário do grupo e apesar de não ter ganho, o manuscrito fora recomendado pelo júri para publicação. "Era muito bom, mas achei que na crise em que vivemos podia ser crítico", lembra. "As pessoas não querem ler sobre coisas que as põem ainda mais preocupadas" (mais uma lição). Conversou com o autor, ele tinha outro livro escrito, foram por aí. "É surpreendente porque vai melhorando até ao fim. E eu que tenho de ler os livros várias vezes, quanto mais vezes leio, mais coisas descubro", elogia. "O outro há-de sair mais tarde."

Prémio saramago x 3
Maria do Rosário Pedreira já tem quatro lançamentos agendados até ao final do ano, incluindo o quarto romance de João Tordo, o jovem que editou pela primeira vez em 2004 e recebeu o ano passado o Prémio Literário José Saramago pela obra "As Três Vidas". Se ser responsável pela descoberta de um Prémio Saramago já será motivo de orgulho, a editora pode multiplicar a emoção por três. Foi também ela que editou os primeiros livros de José Luís Peixoto (que já lançara uma curtíssima ficção antes) e de valter hugo mãe.

"Foram três estreias fulgurantes", lembra. "A sensação de os ler pela primeira vez foi muito estranha. Perguntava-me, 'porque é que isto está na minha mão?'" Hoje tem a resposta: "Acho que tenho a pachorra para procurar uma agulha num palheiro que mais nenhum editor tem. Antes de me vir parar às mãos, o José Luís Peixoto já tinha mandado originais para uma série de editoras."

Mas não basta encontrar os livros; é preciso trabalhá-los com os autores: incongruências, estrutura mal resolvida, expressões de gosto duvidoso. "É fácil perceber o que está mal e dizer às pessoas. Não é fácil elas ouvirem", adianta. Há pessoas que a abordam dizendo ter escrito "uma obra-prima". Outras não aguentam ouvir os comentários e nunca mais regressam.

Quanto mais talentoso o escritor, mais fácil a conversa. E não se fazem milagres. Até já há autores de outras editoras que nunca venderam muito e vão ter com ela na esperança de um passe de magia. "É importante que se diga, não sou uma santa milagreira. O autor é que tem de ser bom."

Tal como um olheiro procura numa jovem esperança do futebol jeito e velocidade, Rosário Pedreira quer encontrar qualidade e diferença. "Interessam-me autores que possam passar a prova do tempo", explica. "Os primeiros livros do Kafka, quando os lançaram, venderam 400 exemplares. Ainda hoje os lemos." E se a literatura não é a área que dá mais dinheiro às editoras, é, assegura, a que sustenta a actividade. "É preciso criar os Saramago e Lobo Antunes de amanhã."
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