Maconha na Suiça

Produtor de cânhamo desafia Justiça e médicos

Por Geraldo Hoffmann
19.07.2010

O agricultor suíço Bernard Rappaz encontra-se em greve de fome em protesto contra sua prisão por ter plantado e comercializado grande quantidade de cânhamo de alto teor de THC, a substância química responsável pelo efeitos psicoativos da maconha.
A secretária de Segurança Pública e Assistência Social do Valais, Esther Waeber-Kalbermatten, determinou que Rappaz seja alimentado à força após mais de 50 dias de greve de fome. O caso provoca polêmica.

Na última segunda-feira (12/7), o debilitado Rappaz, de 57 anos, foi transferido do Hospital Universitário de Genebra, que rejeitou a alimentação forçada em caso de coma, para o Inselspital de Berna, que tem experiência em alimentar prisioneiros que se negam a comer.

O presidente da Academia Suíça de Ciências Médicas (ASCM), Peter Suter, disse que entende a decisão dos médicos genebrinos. "Se a pessoa em questão realmente quer morrer, o médico tem de respeitar esta vontade como bem máximo." Em caso de greve de fome, o médico precisa ver bem se o prisioneiro apenas quer fazer pressão ou se tem consciência das consequências, disse Suter ao jornal Tages-Anzeiger.

Se o paciente fez uma declaração por escrito sobre como proceder em caso de inconsciência, como é no caso de Rappaz, esta deve ser respeitada conforme as diretrizes da ASCM, mesmo que ela possa representar a morte. Mas também nesse caso precisa ser verificado se a vontade de morrer é séria, explicou.

O Inselspital de Berna não comentou o caso e informou apenas no domingo que "nossos médicos tratam prisioneiros em greve de fome segundo as diretrizes médicas-éticas da Academia Suíça de Ciências Médicas sobre o exercício da atividade em relação a pessoas presas."

"Princípios da consciência e da moral"
A legislação do cantão de Berna determina que a alimentação forçada só seja permitida quando o atingido entra em coma. Rappaz continua sujeito à lei do cantão do Valais, segundo a qual, em caso de greve de fome, se deve "agir de acordo com os princípios da consciência e da moral".

Waeber-Kalbermatten disse ao jornal Le Matin Dimanche que a decisão de mandar alimentar o prisioneiro à força baseia-se em uma determinação da última quinta-feira do Supremo Tribunal Federal de que a vida de Rappaz precisa ser salva e sua integridade corporal garantida. O Estado tem a obrigação de cuidar de seus presos, acrescentou.

O cantão do Valais teve de colocar as leis na balança. "Nós sobrepomos nosso dever de cuidado sobre a liberdade pessoal do prisioneiro de querer morrer de fome", disse Waeber-Kalbermatten. Ela interpreta a greve de fome de Rappaz como meio de pressão e não como desejo de morrer.

Segundo Waeber-Kalbermaatten, Rappaz afirma em sua declaração de consentimento do paciente que não deseja qualquer medida que o mantenha vivo caso se torne inconsciente, mas, "ao mesmo tempo, devido ao seu estado de saúde, ele deseja uma interrupção da prisão e disse que quer viver".

Na opinião de Ruth Baumann-Hölzle, membro da Comissão Nacional de Ética, o Estado e os médicos têm de respeitar a vontade do plantador de maconha. Se uma pessoa tem discernimento e não representa perigo para terceiros, o direito de resistir a medidas coercitivas deve ter mais peso do que o dever fiduciário do Estado, disse em entrevista à swissinfo.ch.

Parlamento avalia pedido de indulto
O fato de Rappaz ter apresentado um pedido de indulto ao Parlamento estadual do Valais mostra que ele quer, em primeira linha, uma revisão de sua sentença. Em 2006, um tribunal do Valais o condenou a cinco anos e oito meses de prisão por graves violações à lei de entorpecentes, lavagem de dinheiro, agressão simples e graves transgressões às leis do trânsito.

Ele foi acusado de ter vendido cinco toneladas de haxixe por 4,2 milhões de francos de receita e obtido 2 milhões de francos de lucro. Em 2001, a polícia confiscou 50 toneladas de maconha avaliadas em 35 milhões de francos. O Supremo Tribunal Federal confirmou a sentença estadual.
Rappaz é um produtor apaixonado de maconha. Desde 93, ganha seu dinheiro com o plantio comercial de cânhamo. Através de sua empresa Valchanvre (Vale da Maconha), ele vende produtos legais (com teor de tetrahidrocanabinol - THC até 0,3%), como vinho, sementes e cosméticos de cânhamo.

Ele já foi detido várias vezes – e solto duas vezes por ter entrado em greve de fome. Em 96, foi preso preventivamente por ter vendido travesseiros de maconha. Após 42 dias de greve de fome foi solto. Cinco anos depois, foi novamente para a cadeia, negou-se a comer durante 56 dias, foi transferido para um hospital e solto após 73 dias.

"Uma chama que se apaga lentamente"
Desde meados de março deste ano, ele está novamente na prisão. E há mais de 100 dias (com uma interrupção, por isso se fala em mais de 50 dias) em greve de fome. Não se sabe até quando seu protesto vai continuar. Um site de solidariedade na internet francesa o considera um "prisioneiro político".

Rappaz se diz vítima da Justiça. Em entrevista por carta ao jornal Tages-Anzeiger, ele disse que faz greve de fome "por um tratamento justo à maconha na Suíça, contra a pena colossal e injusta que me foi imposta pela oligarquia dos juízes do Valais, por uma sociedade melhor, no qual o uso da maconha como estimulante seja regulamentado como o das outras duas drogas pesadas, mas legais: tabaco e álcool".

Perguntado se já havia pensado em parar, disse: "É minha sétima greve de fome na prisão, e até agora nunca parei até ser libertado. Se um ativista não violento usa esta arma perigosa como um soldado, ele corre o risco de morrer. Estou preparado para isto". E acrescentou: "Sinto-me como uma chama que pisca e se apaga lentamente".

Segundo uma estatística de 2002, cerca de 700 mil suíços consomem regularmente maconha.
A descriminalização do consumo de canábis é reinvidicada há muito tempo,principalmente por políticos de esquerda.
Em 2004, o Parlamento suíço rejeitou uma proposta neste sentido que fazia parte da reforma de lei de entorpecentes.

Em reação, no começo 2006, um comitê lançou uma iniciativa popular para legalizar a maconha, mas ela foi rejeitada pelo governo, pelo Parlamento e nas urnas pelo eleitorado (em novembro 2008).
Com isso, o assunto deve ficar fora da agenda política por alguns anos. Segundo a lei de entorpecentes de 1951, o plantio de espécies de cânhamo com mais de 0,3% de THC é proibido na Suíça.
Verbete
Cânhamo: arbusto que atinge de 2 m a 3 m (Cannabis sativa), da fam. das canabáceas, nativo da Ásia, de folhas compostas, finamente recortadas, serreadas, inflorescências axilares, e frutos aquênicos arredondados; cultivado há mais de quatro mil anos, fornece fibra com aplicações industriais, e tb. a maconha ('droga') e o haxixe [sin.: bangue, cânave, cânhamo-da-índia, diamba, liamba, maconha, marijuana, riamba] Fonte: Houaiss
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Maconha vira indústria na Suíça

Por Alexander Thoele
05.03.2003

Sem fazer alarde, a indústria da maconha torna-se cada vez mais profissional na Suíça.
A capa da edição de 16 de janeiro da revista semanal "Facts", uma das mais influentes da Suíça, deve ter chocado os leitores mais conservadores.
Sob o título "Geração Haxixe", a edição exibia na capa a foto de uma bela jovem de 19 anos que, com os olhos entreabertos e sorriso irônico, segurava um enorme cigarro de maconha nas mãos. Essa era a chamada para a reportagem especial de 10 páginas dedicadas ao tema “uso da maconha na Suíça”.

Ninguém mais se esconde
Foram-se os tempos em que o amante da “cannabis sativa” escondia-se. Dentre os destaques da reportagem de dez páginas, estavam os perfis de sete consumidores regulares. Suas idades variavam entre os 17 e 53 anos. Todos apresentaram suas profissões ou são ainda estudantes.

A grande parte gasta entre 100 e 400 francos suíços mensalmente para manter seu consumo. Trata-se da nova realidade suíça: fumar maconha passou a ser uma atividade prosaica como beber um copo de uísque. Por todos os lados, nos vagões de trens, praças públicas e bares se sente o cheiro característico do cânhamo. Entre 600 mil e 700 mil suíços já fumaram cannabis sativa, de acordo com uma pesquisa do Instituto Suíço de Prevenção do Alcoolismo e outras Toxicomanias (ISPA). Um terço dos jovens entre 15 e 24 anos fumam regularmente maconha. 87 mil suíços consomem diariamente a droga.

O consumidor médio é jovem
Outra pesquisa realizada pela Coordenação Suíça da Maconha (CSC), uma organização que reúne produtores e consumidores, mostra que o consumidor médio da maconha tem 26 anos, gasta 100 francos suíços em cada compra e fuma mais de um cigarro por dia. Essa pessoa consome quase meio quilo de cannabis sativa e derivados por ano e chega a gastar até três mil francos suíços.

Para abastecer esse grande público, de bom poder aquisitivo, o que não faltam são fornecedores na Suíça. Só a CSC tem 120 membros ativos, que são fazendeiros, produtores, beneficiadores e também os donos dos chamados “headshops”, onde normalmente são vendidos os “Duftsäckli” (saquinhos de cheiro), contendo as mais variados tipos de maconha.

“Não temos o controle de todas as lojas, pois muitas foram fechadas pela polícia e outras trabalham na clandestinidade, porém estimamos que entre 350 e 400 headshops estejam atuando”, explica Tünde Kovacs, vice-presidente da CSC.

De 200 a 300 hectares de maconha plantada
Nos headshops suíços são vendidas, em quase toda sua totalidade, maconha produzida na suíça. O Departamento Federal de Polícia estima que a área ocupada pelas fazendas de cannabis sativa totalizam de 200 a 300 hectares. Esse número inclui não só as plantações ilegais, mas também aquelas que recebem até subvenção do Estado para produzir o cânhamo industrial, ou seja, que pela quantidade mínima de THC – menos de 0,3% - só serve para a produção de fibras vegetais.

Não se tem uma estimativa da quantidade de produtores de maconha, já que a plantação da erva destinada ao fumo ainda está proibida. “Calculamos que existam 80 grandes produtores e até 400 pequenos”, diz Kovacs.

Maconha traz lucros para vendedores
Os lucros do setor também são números desconhecidos. Porém eles não devem ser poucos, já que um produtor ganha até 1.500 francos suíços por quilo de maconha, enquanto que ganharia apenas 1 franco por quilo de maçã do tipo “Golden Delicious”.

Quando a erva prensada chega nas lojas, ela triplica de preço e passa a valer entre 5 mil francos e 15 mil, dependendo da qualidade. O “Duftsäckli” é vendido por 30 francos, em média. A espécie mais cara de maconha é a criada em estufas (indoor), que pode ser manipulada e apresenta, em muitos casos, até uma concentração considerável de THC: 25%.
Com tanto desenvolvimento, é possível que a maconha torne-se, no futuro, num setor econômico de importância, assim como a relojoaria e os serviços bancários.
http://www.swissinfo.ch/