SUIÇA

Produtores de absinto querem registrar apelação

por Daniele Mariani
27.07.2010

O absinto deve ter uma indicação geográfica protegida (IGP). É o que pedem os produtores da chamada "fada verde", do Vale de Travers, uma região próxima à fronteira francesa no cantão de Neuchâtel. Essa região é berço histórico da bebida que, até pouco tempo atrás, era proibida pela Constituição suíça. Mas a batalha dos produtores será longa e difícil.

Elogiando a poesia do absinto e comparando a bebida ao pôr do Sol, o escritor irlandês Oscar Wilde tinha uma verdadeira paixão pelo absinto. E ele não era o único.

A água gelada que se despeja gota a gota na colher furada para diluir o açúcar provoca reflexos azulados no álcool translúcido. E sob o efeito da mistura, o líquido transforma-se pouco a pouco em uma nuvem de um branco leitoso.

Entre cerimonial e eflúvios inebriantes, o absinto não cessa de fascinar. Esse interesse foi manifestado por numerosos artistas da segunda metade do século 19 como Rimbaud, Verlaine, Gauguin, Toulouse Lautrec, Manet e Baudelaire, entre outros, cuja bebida predileta era o absinto.

Mítica e maldita
Nessa época, a bebida era muito consumida nos bares de Montmartre, o famoso bairro parisiense, até a interdição de sua produção e comercialização em vários países. Na Suíça, caso único, a proibição foi inscrita na Constituição Federal em 1908.

A França a proibiu em 1915. Mais que poética, a bebida era então considerada maldita. Além de suas propriedades alucinógenas – o apelido de "fada verde" teria sido colocado por Oscar Wilde – a bebida era considerada altamente perigosa e responsável por muitas doenças.

A qualidade comercializada nem sempre era das melhores e o teor de álcool era próximo a 70%. Mas as causas da interdição eram outras."Os poderosos grupos de pressão dos viticultores e cervejeiros é que conseguiram a interdição do absinto", explica Yves Kübller, proprietário da maior destilaria na região de Val-de-Travers, no cantão de Neuchâtel, perto da fronteira francesa.

"Naquela época, o absinto era mais barato do que a cerveja e o vinho e, portanto concorrente. Ademais, a crise econômica no final do século 19 tinha agravado o problema do alcoolismo e finalmente foi o absinto que pagou a conta", acrescenta. Na Suíça, a interdição só acabou em 2005.

Quase um século depois de proibi-la, mesmo se clandestinamente a produção nunca parou, tomou-se consciência de que o absinto não era mais perigoso do que as outras bebidas fortes.

A tujona, molécula presente na Artemisia absinthium, principal erva medicinal com anis e raiz de erva-doce, que entra na composição da bebida, pode ter efeitos nocivos sobre o sistema nervoso, se consumido em grandes quantidades."Cálculos demonstraram que seria necessário beber cerca de 80 copos por dia para ser perigoso. É claro que o álcool causaria danos bem mais graves antes disso", afirma Yves Kübler.

Um alambique no DNA

A primeira destilaria de absinto foi aberta no vilarejo de Couvet, em 1797, por Daniel Dubied. Com seu genro, Henri-Louis Pernod, ele foi o primeiro a comercializar a bebida alcoolizada. A história diz que a receita lhe foi transmitida por uma curandeira, que preparava a bebida com fins terapêuticos.

Alguns anos mais tarde, Henri-Louis Pernod decidiu abrir sua própria destilaria em Portalier, do outro lado da fronteira, em 1805, e entrar no mercado francês.Apesar de um século de interdição, o conhecimento dos destiladores do Val-de-Travers, verdadeiro berço do elixir, nunca foi perdido.

A proibição não impedia pequenos produtores a continuar aquecendo os alambiques. Bastava ser discreto e ninguém os denunciava às autoridades.Yves Kübler, por exemplo, diz que tem um alambique em seu DNA. Há quase 150 anos, em 1863, um dos seus ancestrais abriu uma destilaria na região.

Em 1990, ele reativou a empresa familiar, que tinha cessado as atividades em 1962. "Quando meu avô decidiu parar a produção, nenhum de seus filhos quis continuar. Finalmente foi minha mãe que me transmitiu essa paixão e, aos 15 anos, comprei meu primeiro alambique de um amigo", recorda.

Depois da legalização da "Azul" – um dos apelidos do absinto – essa paixão transformou-se em atividade profissional. Graças à perseverança, ele foi um dos primeiros a entrar no mercado norte-americano. Nos Estados Unidos, o absinto conquistou celebridades como os atores Johnny Dep e Marylin Manson.

Proteção necessária
Mas esse mito corre o risco de se perder pela produção de absinto em outros países sem nenhuma tradição, de acordo com Yves Kübler."Hoje, sob apelação absinto, vende-se qualquer coisa. Certos produtores utilizam óleos essenciais no lugar de plantas medicinais.

Outros se contentam de macerar uma mistura sem destilar e essas bebidas são intragáveis. Se alguém se aventurar a provar um desses pretensos absintos, certamente não vai tentar a experiência uma segunda vez.

Essa constatação levou os membros da Associação Interprofissional do Absinto a depositar na Secretaria Federal de Agricultura (OFAG), um pedido de registro de região geográfica protegida (IGP) do absinto. Uma espécie de apelação de origem controlada.

"Pedimos que as denominações Absinto, Fada Verde e Azul sejam reservadas ao produto destilado no Val-de-Travers. Queremos preservar a tradição e estimular o desenvolvimento econômico dessa região", explica o presidente da associação, Thierry Béguin.

Batalha difícil
A batalha pelo registro será difícil e poderá ser decidida no Supremo Tribunal Federal. Entre os opositores estão o grupo francês Pernod-Ricard (empresa fundada por Henri-Louis Pernod em 1805 e retomada pela Ricard em 1975).

Frente a esse gigante do setor, cerca de 20 pequenos produtores do Val-de-Travers terão dificuldade em vencer."Nosso dossiê é sólido e prova sem qualquer dúvida que nosso vale é o berço histórico do absinto", defende Thierry Béguin.

Mas a justiça não é uma ciência exata e "o ministro francês da Agricultura, encorajado pela direção do grupo Pernod-Ricard, deverá sem dúvida pressionar", prevê Béguin. Mas os cidadãos do Val-de-Travers não costumam baixar os braços facilmente.

Um século de proibição não os impediu de manter a tradição. E a destilação do absinto ainda vai continuar por muito tempo, com ou sem IGP.

Fabricação

Destilação
O absinto é produzido com a maceração de diversas plantas aromáticas durante horas no álcool a 95°.

Plantas
As plantas que entram na composição são principalmente grãos de anis, raiz de erva-doce e naturalmente o absinto (Artemisia absinthium). Na bebida fabricada no Val-de-Travers, só é utilizado o absinto cultivado na região. O anis e a erva-doce são importados porque o clima suíço não permite cultivá-los.

Ervas medicinas
Cada produtor acrescenta outras ervas medicinais, segundo sua própria receita. São principalmente, hissopo, menta, melissa e coentro.

Redução
A destilação sucede a etapa de maceração. O álcool obtido (em torno de 80%) é transferido em um recipiente. É acrescentada água destilada para diminuir o teor de álcool. O absinto produzido por Yves Kübler, por exemplo, tem 53% de álcool.

Repouso
Duas semanas depois da destilação, o absinto é engarrafado e deve “descansar” dois a três meses depois para afinar o sabor.

Modesta mas rentável
Em comparação com outras bebidas, o absinto é um mercado de nicho. Quase 3,2 milhões de garrafas são vendidas por ano no mundo, metade nos Estados Unidos (50 dólares a garrafa).

Aumento
Entre 2004 e 2009, o consumo cresceu aproximadamente 25% por ano.

Pernod-Ricard
O maior produtor do setor é o francês Pernod-Ricard, de Marselha, sul da França. Na França, o absinto é autorizado desde 2001, mas na etiqueta não deve constar o nome absinto e sim “extrato de absinto” ou “álcool à base de plantas de absinto”.

Crise
Em 2008, os destiladores suíços exportaram 824 hectolitros. Em 2009, a crise fez esse volume cair para 110 hectolitros.

(Adaptação: Claudinê Gonçalves)
http://www.swissinfo.ch/