Opinião

O mundo do fitness: a grande ilusão

por Luís Coelho
Fisioterapeuta de reeducação postural e ensaísta
09.07.2010

O exercício faz bem à saúde, mas é preciso ter cuidado com as práticas que nos são oferecidas, algumas não apenas inócuas, mas prejudiciais

É bem sabido, entre os meandros de um certo zelo epistemológico, que nem sempre o que é evidente é real, ou que a verdade é sinónimo de uma certa pretensão (utilitarista) das maiorias.

A "questão do fitness", como lhe poderia chamar, é o exemplo rematado de um fenómeno daqueles em que poucos vêem que o rei vai nu. Se é certo que a curto prazo as práticas de fitness são compatíveis com um certo conceito de saúde, a realidade a longo termo demonstra que nem sempre esta nova medicina se consubstancia como a verdadeira saúde global.

É certo que, de um ponto de vista funcional, os estudos com metodologias "transversais" têm revelado os benefícios da prática desportiva a curto prazo. Mas também é certo que o conceito de saúde é bastante mais global que aquilo que é preconizado pela maioria dos educadores físicos.

Aliás, mesmo a fisioterapia clássica parece toda ela vocacionada para esse curto prazo, adequada e cientificamente "evidenciado"... Mas como a realidade científica pura e dura acaba por ter mais a ver com a física dos postulados que com esses referidos estudos "médicos", importante será dizer que não deixa a ciência "exacta" de estar mais próxima da verdade de um corpo que, pelas suas leis posturais de controlo antigravítico e pelas hegemonias neuromusculares com estas relacionadas, progride no verdadeiro conceito de saúde holística pelo trabalho das actividades físicas de baixo impacto (a eficácia, por exemplo, do Pilates e do Tai-chi assim o comprovam) e, essencialmente, pelo alongamento global segundo os preceitos da teoria das cadeias musculares.

A teoria de Françoise Mézières, uma fisioterapeuta francesa que em 1947 viria a iniciar uma "révolution en gymnastique orthopédique", com implicações únicas na forma de compreender a patologia neuro-músculo-esquelética (a patologia especificamente postural existe, na prática, em todos nós, que somos saudáveis...) e também na forma como podemos conceber a prática física, seja no sentido médico, seja fisioterapêutico ou desportivo.

A acreditar nessa "revolução", as actividades físicas desses ginásios que cultivam a "indústria do corpo" apresentam-se deveras como um atentado àquilo que é a real saúde neuro-mio-fascial. Em particular, esses ginásios que fazem uso de poderosas e maquiavélicas indústrias de marketing contribuem para reduzir o conceito de saúde músculo-esquelética à mera performance, quando seria mais correcto conceber essa mesma saúde enquanto morfologia ou postura, segundo os preceitos de um longo prazo psico-neuro-morfo-dinâmico, como concebido pelos fisioterapeutas de reeducação postural.

Não deixemos, todavia, de praticar desporto! Porém, tenhamos em conta que actividades como as centradas no relaxamento tónico e na flexibilidade miofascial, posturalmente não viciadas, não só são mais benéficas para a saúde, como são uma forma de contrariar essa propensão quimérica de uma certa "indústria cultural" (Theodor Adorno).
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