O livro preferido do Super-Homem faz 50 anos


por Luís Leal Miranda
10.07. 2010

"Por Favor, Não Matem a Cotovia", de Harper Lee, continua a marcar quem o lê, cinco décadas depois



"Faça o que fizer, não fale da cotovia." Foi assim que os amigos de Harper Lee selaram o acordo com a jornalista Sharon Churcher, do "Daily Mail". O pedido foi respeitado com a solenidade que o momento exigia: o jornal britânico estava perto de conseguir uma entrevista com uma das autoras mais misteriosas do mundo. Harper Lee, a autora de "Por Favor, Não Matem a Cotovia", não dizia palavra para um gravador desde os anos 60.

"Vou só dar de comer aos patos, mas diga-me qualquer coisa da próxima vez que aqui estiver", respondeu Lee à repórter numa primeira abordagem em Monroeville, Alabama, nos EUA, pequena cidade onde a escritora nasceu e cresceu.

Nelle Harper Lee, 84 anos, publicou o seu primeiro e único romance a 11 de julho de 1960. Um ano depois, e dando seguimento a 47 semanas no top de livros mais vendidos nos EUA, Lee ganha o Prémio Pulitzer. Em 62, o filme baseado em "To Kill A Mockingbird" (título original) vence três Óscares, incluindo o de Melhor Actor, para Gregory Peck.

Por esta altura, Lee é uma mulher solteira, jovem, multipremiada e multimilionária. Mas os textos assinados por ela limitam-se às respostas aos pedidos de entrevista: sempre negativos, sempre escritos à mão.

"Por Favor, Não Matem a Cotovia" tornou-se, nos 50 anos que se seguiram, um dos romances mais importantes da literatura norte-americana. Leitura obrigatória nas escolas, o julgamento de um negro acusado de violação contado pelos olhos da filha do advogado de defesa, é um clássico que já vendeu mais de 40 milhões de cópias em todo o mundo.

Atticus Finch, o advogado e personagem principal do romance, é tido hoje em dia como pêndulo moral de todos os norte-americanos preocupados com justiça e direitos civis. Segundo a biografia oficial fornecida pela DC Comics, "To Kill a Mockingbird" é o livro preferido do Super-Homem.

Em silêncio
Em Monroeville, a terra onde nasceu e para onde se mudou depois de um enfarte, Harper Lee é conhecida apenas por Nelle, o seu primeiro nome. O romance que a fez famosa é simplesmente "o livro".

Amigos e vizinhos contaram à jornalista do "Daily Mail" que "Por Favor, Não Matem a Cotovia" terá deixado marcas tão profundas na sua autora que por causa disso nunca voltou a escrever. "A minha mulher costumava ir jogar golfe com ela e nunca tocaram no tema. É o tipo de assunto em que não se toca nem com uma cana de dez metros", assinalou um vizinho.

O silêncio de Harper ao longo destas décadas veio alimentar rumores: que estava perdida no alcoolismo (parcialmente verdade), que era lésbica (mentira), que o livro teria sido na verdade escrito por Truman Capote (uma grande mentira), amigo de infância e vizinho.

"Por Favor, Não Matem a Cotovia" influenciou a cultura norte-americana, quebrando barreiras raciais e erguendo uma consciência colectiva mais tolerante.

Acabou com tabus e preconceitos, mas criou outro: em Monroeville não se fala do livro nem se reconhece o talento da problemática Nelle. Os empregados pretos, segundo a jornalista do "Daily Mail", ainda são tratados por aquela palavra em inglês começada por "n" e que não pode ser reproduzida aqui.

Entre o seu silêncio, sabe-se que Harper Lee se tem dedicado a acções de solidariedade, doando elevadas quantias de dinheiro sob uma identidade secreta. Um pouco como o seu maior fã, o Super-Homem.
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