LEI TALIBÃ
31.07.2010

A revista Time traz na capa desta semana a fotografia de Aisha, uma jovem afegã, de 18 anos, a quem foram cortadas as orelhas e o nariz por não respeitar as regras talibãs e ter fugido da casa da família do marido.

Aisha conta que era constantemente espancada e tratada como uma escrava. Mesmo assim, a história não foi o suficiente para convencer um comandante talibã e enquanto o cunhado de Aisha a agarrava, o seu marido cortou-lhe as orelhas e o nariz.

A fotógrafa da Time, Jodie Bieber, quis fotografá-la mostrando a beleza da mulher. “És mesmo uma mulher bonita. Não compreendo, nem imagino o que possas sentir quando tens o nariz e as orelhas cortadas, mas o que posso fazer, e mostrar-te, é a tua beleza nestas fotografias”, disse a Aisha.

O trabalho mostra a situação das mulheres naquele país e defende a permanência das tropas americanas no local. No editorial da revista americana lê-se que a reportagem pretende também: “convencer os americanos sobre o que os EUA e aliados deveriam fazer no país”.

Hoje em dia Aisha está escondida e protegida por guardas. A organização não governamental “Women for Afghan Women” (Mulheres pelas mulheres afegãs) ajuda-a financeiramente. Uma organização humanitária da Califórnia quer levá-la para os EUA para que possa ser submetida a uma cirurgia de reconstrução da face.
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AFEGANISTÃO - UM ENIGMA E QUATRO HIPÓTESES


Por José Luis Fiori
Outras Palavras *
30.07.2010

“Whenever western leaders ask themselves the question, why are we in Afghanistan, they come up with essentially the same reply: “to prevent Afghanistan becoming a failed state and haven for terrorists”. Yet there is very little evidence that Afghanistan is coming stable. On the contrary, the fighting is intensifying, casualities are mounting and the Taliban are becoming more confident”
Gideon Rachman, Financial Times, 26 de junho de 2010


A superioridade numérica e tecnológica das forças americanas e da OTAN, com relação aos guerrilheiros talibãs do Afeganistão, é abismal. No entanto, a situação estratégica dos EUA e dos seus aliados, depois de nove anos de guerra, vem piorando a cada dia. Em apenas um mês, o presidente Obama foi obrigado a demitir, por insubordinação, o famoso general Stanley McChystal, que ele havia nomeado, e que era o símbolo da “nova” estratégia de guerra do seu governo.

E agora enfrenta um dos mais graves casos de vazamento de informação da história militar americana, com detalhes sanguinários sobre ação das tropas, e acusações de que o Paquistão – seu principal aliado – é quem prepara e sustenta os guerrilheiros talibãs.

Depois do envio de mais 30 mil soldados americanos, em 2010, a situação militar dos aliados não melhorou; os ataques talibãs são cada vez mais numerosos e ousados; e o numero de mortos é cada vez maior. Por outro lado, o apoio da opinião publica americana e mundial é cada vez menor, e alguns dos principais aliados dos EUA, como a Holanda e o Canadá, já anunciaram a retirada de suas tropas, com própria Grã Bretanha sinalizando na mesma direção.

Faz algum tempo, o general americano, Dan McNeil, antigo comandante aliado, declarou à revista alemã Der Spiegel que seriam necessários 400 mil soldados para ganhar a guerra, e talvez por isto, quase ninguém mais acredite na possibilidade de uma vitória definitiva. Por outro lado, o governo do presidente Hamid Karzai está cada vez mais fraco e corrompido pelo dinheiro da droga e da ajuda americana, a sociedade afegã está dividida entre seus “senhores da guerra” e o atual Estado afegão só se sustenta com a presença das tropas estrangeiras.

Por fim, a luta contra as redes terroristas e al-Qaeda de Bin Laden também vai mal, e está sendo travada no lugar errado. Hoje está claro que os talibãs não participaram dos atentados de 11 de setembro, nos EUA, e estão cada vez mais distantes da al-Qaeda e das redes terrorista cuja liderança e sustentação está sobretudo, na Somália, no Yemen e no Paquistão.

E quase todos os estrategistas consideram que seria mais eficaz a retirada das tropas e o rastreamento e controle a distância das redes terroristas que ainda existam no território talibã. Resumindo: a possibilidade de vitória militar é infinitesimal; os talibãs não defendem ataques terroristas contra os EUA e não dispõem de armas de destruição de massa; e não existem interesses econômicos estratégicos no território afegão.

Por isto, a guerra se transformou numa incógnita, para os analistas políticos e militares.
Do nosso ponto de vista, entretanto, a explicação da guerra e qualquer prospecção sobre o seu futuro requerem uma teoria e uma análise geopolítica de longo prazo, sobre a dinâmica das grandes potências que lideram ou comandam o sistema mundial, desde sua origem na Europa, nos séculos XV e XVI. Em síntese:

1. nesse sistema mundial “europeu”, nunca houve nem haverá “paz perpétua”, porque se trata de um sistema que precisa da preparação para guerra e das próprias guerras para se ordenar e expandir;

2. nesse sistema, suas “grandes potencias” sempre estiveram envolvidas numa espécie de guerra permanente. E no caso da Inglaterra e dos EUA, eles começaram – em média – uma nova guerra a cada três anos, desde o início da sua expansão mundial;

3. além disto, este mesmo sistema sempre teve um “foco bélico”, uma espécie de “buraco negro”, que se desloca no espaço e no tempo e que exerce uma força destrutiva e gravitacional sobre todo o sistema, mantendo-o junto e hierarquizado. Depois da Segunda Guerra Mundial, este centro gravitacional saiu da própria Europa e se deslocou na direção dos ponteiros do relógio: para o nordeste e sudeste asiático, com as guerras da Coréia e do Vietnã, entre 1951 e 1975; e depois, para a Ásia Central, com as Guerras entre o Irã e o Iraque, e contra a invasão soviética do Afeganistão, durante a década de 80; com a Guerra do Golfo, no início dos anos 90; e com as Guerras do Iraque e do Afeganistão, nesta primeira década do século XXI.

4. deste ponto de vista, pode se prever que a Guerra do Afeganistão deverá continuar, mesmo sem perspectiva de vitória, e que os EUA só se retirarão do território afegão quando o “epicentro bélico” do sistema mundial puder ser deslocado, provavelmente, na mesma direção dos ponteiros do relógio.

Foto Pål Berge
* Outras Palavras é a nova versão do boletim de atualização do Le Monde Diplomatique, agora vinculado à Biblioteca Diplô e o site Outras Palavras.
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