Japão

Um sumô amargo que passou da validade

por Mariana Pinheiro
17.07. 2010

O desporto japonês navega em águas turvas. Os recentes escândalos de apostas e extorsão trouxeram à tona novos problemas


Dois mil anos de rituais de purificações com sal não bastaram para afastar as tentações do homem para a eternidade. Os anciãos da prática de sumô não se lembraram de um pormenor: um dia o mundo tornar-se-ia moderno e as mulheres tentariam invadir os ringues sagrados para "profanar" propositadamente os locais que lhes são vedados por serem consideradas impuras ou inferiores.

Esse dia aconteceu em 2007. E quando algo acontece que foge à tradição, vaticina-se a morte de um lutador. Assim foi.

A Associação Japonesa de Sumô anunciou recentemente o afastamento de dezenas de lutadores por estarem envolvidos em apostas ilegais e extorsão de milhões de dólares - actividades maioritariamente organizadas pelos Yakuza, membros de organizações criminosas do Japão. Cerca de 65 dos 700 lutadores admitiram os casos de corrupção. Mais de um terço eram atletas de topo.

Também a cadeia de televisão nipónica NHK tomou medidas drásticas em relação aos escândalos que fizeram correr tinta na imprensa mundial. Cancelou, pela primeira vez na história da estação, a emissão do torneio de Verão. Um dos seis torneios que acontecem a cada ano e que se prolongam por 15 dias - cada lutador faz um combate por dia.

A rádio do grupo público NHK transmitiu ininterruptamente os combates desde 1928 e a partir de 1953 a televisão fez o resto. Os bilhetes ficaram por vender e os patrocinadores bateram em retirada.

Um azar nunca vem só e quando se descobre um problema, uma infinidade deles aparecem logo para fazer coro. Mitsutomo Furuichi, um lutador aposentado e membro de um gangue, é suspeito de ter extorquido 100 milhões de iénes (quase 900 mil euros) a Kotomitsuki, o número um do sumô japonês.

Em troca, Furuichi ficaria calado e não denunciaria o mau hábito das apostas de um dos mais respeitados lutadores do país. Kotomitsuki confirmou a versão. Admitiu, no entanto, ter pago "apenas" 3,5 milhões de iénes (mais de 300 mil euros) em troca da sua segurança e da sua família, cita o "The Observer".

Asashoryu, um outro lutador, forçou a retirada da competição, depois de ter partido o nariz a um homem à saída de um clube nocturno em Tóquio. Asashoryu estava embriagado e o escândalo rebentou poucos dias depois de vários atletas profissionais (sekitori) terem sido apanhados na posse de marijuana.

Em Dezembro do ano passado, um treinador foi condenado a seis anos de prisão por ter morto em 2007 o lutador do qual falamos no início no texto. Um miúdo de 17 anos que durante um treino de iniciação - prática recorrente que inclui castigos corporais e um modo de vida espartano - não resistiu aos ferimentos que lhe foram infligidos.

Chamava-se Takashi Saito e foi atingido na cabeça com uma garrafa e com um bastão de metal pelo mestre e por outros lutadores mais velhos por causa da sua "fraca atitude". Quando o corpo chegou à morgue para ser feita a autópsia, estava coberto de queimaduras de pontas de cigarro.

Antigamente os adolescentes oriundos de famílias pobres e das
zonas rurais eram entregues ao mestre. Viviam numa espécie de regime feudal nos primeiros anos: trabalhavam para poder comer. O sumô parou no tempo. Precisa de mudar de rumo, antes que acabe de vez.
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