Gastronomia

Nuno Mendes: o chefe português que está a causar polémica em Londres
por Joana Stichini Vilela
17.07.2010

Uns dizem que é o novo Adrià, outros confessam não entender a comida que cria. O Viajante encolhe os ombros: faz aquilo que lhe dá prazer - desafiar os limites da gastronomia

"There's no such thing as bad publicity." Em português, qualquer coisa como "toda a publicidade é boa publicidade". Madonna terá feito a sua versão de uma das frases mais repetidas do mundo: "Bem ou mal, o que importa é que falem de nós." E o chefe português Nuno Mendes, 37 anos, não sendo uma estrela planetária, estará a experimentar a mesma sensação.

Desde que dia 1 de maio abriu o seu novo restaurante em Londres, o Viajante, que está no centro de uma inflamada discussão entre críticos, gourmets e gourmants. Todos concordam que as suas criações gastronómicas são uma coisa extraordinária; poucos concordam em quê.

"Trouxe um gosto do El Bulli [de Ferran Adrià] para o East End", anunciou o "The Guardian" quando lá foi, para algumas linhas abaixo inventar um novo adjectivo para depreciar um dos pratos do menu de degustação: "hum... íssimo." O "Sunday Times" chamou "bebé Heston Blumenthal" ao português e o "Metro" arriscou classificar o restaurante como, "O Novo Santo Graal".

Ao telefone com o i, Nuno Mendes desvaloriza: "A imprensa é a imprensa. Querem sempre uma boa história". E ele não se faz rogado. De véspera recebera um repórter do "The New York Times". Depois do i, ainda ia falar com mais dois jornalistas. "O que estamos a fazer é diferente de tudo o que existe em Londres: a cozinha é na sala, empratamos as coisas na mesa do cliente, que, por sua vez, se não quiser, não sabe em que consiste o menu, estamos em Bethnal Green, uma zona bastante artística, boémia e industrial..." Só falta referir o essencial: a comida.

"paletas gustativas"
Nuno Mendes cresceu em Lisboa e no Estoril. Nos anos 80, o pai, outro apaixonado por comida, introduziu-o nos prazeres da gastronomia. Mas quando o rapaz acabou o 12.o ano foi estudar Biologia Marinha para os Estados Unidos e nunca mais voltou. Foi nos EUA que tirou o curso de cozinheiro e foi também lá que trabalhou mais de 10 anos entre São Francisco, Nova Iorque e Santa Fé.

Depois andou pela Ásia e pela Europa, incluindo a Catalunha do El Bulli, onde estagiou com o génio Ferrán Adrià. Entretanto já se auto-intitulara de "Viajante", os amigos passaram a tratá-lo por "Nuno Viajante", o "nickname", como diz num português já muito contaminado pelos anos fora, até transitou para o endereço de Hotmail.

Por isso, "Viajante" não é apenas um nome poético para um restaurante com capacidade para 32 pessoas e menus de degustação que chegam a custar €180 (alegre-se: inclui o vinho e muitas surpresas, garante o chefe). "A minha cozinha é um espelho do que sou. Gosto de criar coisas diferentes e de questionar o que é e o que não é possível", explica. "Há quem pinte, quem faça escultura, eu cozinho."

Antes de avançarmos, convém esclarecer já um equívoco que pode surgir: gastronomia, defende, não é arte. "Para mim, tem sempre a ver com sabor, prazer, emoção", avança, Mas reconhece, "talvez me expresse de forma mais artística do que é normal. Gosto de fazer a paleta... como é que se diz?... taste buds..." Papilas gustativas, ajudamos. "Isso, gosto de fazer as papilas gustativas saltar um pouco, criar emoções complexas na boca." Concretizemos: "Trufa de chocolate preto com cogumelos secos".

Confirmamos: é uma sobremesa. "Talvez simbolize o que é a minha cozinha: conseguir criar um meio onde é possível estes dois ingredientes existirem em harmonia. Acho eu..."

"ai portugal, portugal" vs. "london calling"
A pergunta é inevitável: e Portugal? "Portugal está no ADN da minha cozinha. Os alicerces são o peixe, o marisco, as carnes de porco", responde. Há por exemplo um prato com Queijo de São Jorge no menu e ele garante que as influências vão tornar-se cada vez mais visíveis. Contudo, avisa: "Cheguei a Londres há cinco anos e meio. Esta vai ser a minha casa."

A cidade, diz, está em ebulição, é o centro do mundo. Mas o Viajante tem, como dizia a avó (e ele também não se consegue lembrar da expressão, mas depois agradece a lembrança), bicho-carpinteiro e não é capaz de ficar muito tempo no mesmo sítio. E acende o rastilho: "Gosto de desenvolver coisas diferentes, em Portugal, no resto do mundo. É uma questão de ser o projecto certo na altura certa."
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