Lar, doce lar. O conforto de viajar sem sair de casa
20.07.2010

Vai a Paris ou Nova Iorque? Alugue uma casa numa das redes sociais que está a deixar os hoteleiros muito irritados

Numa tarde parisiense, fresca e sem nuvens, a luz entrava no meu quarto vinda de um pátio construído no virar do século. Trepei para a cama, feita de pranchas de carvalho envelhecido. Através das janelas que iam quase até ao tecto, olhei para o anúncio de uma loja de têxteis que se balouçava lá fora no pátio.

Além de uma garrafa de Bordeaux a respirar, havia outras regalias: uma despensa cheia de cereais, leite e iogurte. Eu tinha também um número de telefone para o caso de precisar de recomendações sobre onde ir jantar ou, quem sabe, onde comprar gel de duche. Mas deixei-me ficar sentado, à janela, acenando aos meus novos vizinhos que empurravam as suas bicicletas até à zona de cafés do Marais.

Os hóspedes de um hotel pagam bem por este tipo de comodidades. Mas eu não estava num hotel. Nem tinha arrendado uma casa de férias. Estava em casa de Julien Szeps, um chefe de 26 anos que eu conhecera através de um novo tipo de serviço de arrendamento de curto prazo chamado http://www.airbnb.com/.
E o apartamento, um estúdio, custava 65 euros por noite. Nada mal para um apartamento independente, com cozinha completa e casa de banho, a menos de 10 minutos a pé do Louvre.

O B&B do viajante
Embora o Airbnb seja o maior destes novos serviços, não é o único. http://www.istopover.com/ e http://www.crashpadder.com/ também oferecem a comodidade de um hotel, o conforto de um lar e o preço de uma estalagem.

Podemos chamar-lhes redes sociais B&B (Bed and Breakfast, ou seja cama e pequeno-almoço). Apesar da situação juridicamente confusa do subarrendamento em algumas cidades, estes novos serviços estão a ganhar adeptos, com centenas de milhares de adesões em todo o mundo; só em Nova Iorque há mais de 3 500 arrendamentos deste género.

As redes sociais começaram a influenciar significativamente o mundo das viagens em 99, com o aparecimento do Couchsurfing. Estas redes sociais cama-pequeno-almoço são o próximo passo natural, mas há uma diferença: o dinheiro. Nestes sites o viajante conhece as cidades através de olhos locais (e da perspectiva da casa de um residente), mas também tem uma segurança que o Couchsurfing não garante (afinal de contas, é grátis).
Serviços como o Airbnb costumam fornecer descrições pormenorizadas dos quartos privativos ou dos apartamentos disponíveis e incluem protecções se alguma coisa correr mal. No meu caso pessoal, a proliferação destes novos serviços não poderia ter chegado em melhor altura.

Welcome, mate
Decidi experimentar uns quantos B&B sociais numa viagem com três escalas que fiz pela Europa esta Primavera. Comecei perto de casa, em Londres. Decidi-me pelo crashpadder.com. Na capital inglesa, é uma sorte encontrar um hotel por menos de 100 euros por noite, mas logo na primeira página da pesquisa que fiz no Crashpadder, vi camas a 21 euros. Nas cidades do norte, como Manchester ou Leeds, havia camas a menos de 10 euros.

Para reservar uma, tive de começar por criar uma espécie de perfil. Ao contrário das reservas no http://www.expedia.com/ ou nos hotéis tradicionais, esses sites são como redes sociais e incentiva-se toda a gente a ter uma cara e a fornecer alguns dados pessoais. Fiz três rascunhos antes de me decidir por: "Olá! Tenho 26 anos, sou de Londres e gosto de comida chinesa e de camisolas de futebol italianas do princípio dos anos 90."

A seguir, percorri a lista de ofertas. Havia um apartamento de luxo no norte de Londres, propriedade de um profissional do sector informático que o aluga por 65 euros por noite sempre que está fora. Em Bloomsbury, uma assistente social dos EUA tinha um quarto a 35 euros por noite. Mas o meu périplo pela Europa exigia uma cama perto da estação ferroviária internacional de St. Pancras, por isso optei por um "quarto simples e limpo com cama de casal cromada" na zona de Kings Cross por 50 euros.

Uma semana depois, arrastei a minha mala pelas ruas secundárias de Kings Cross, à procura do edifício onde a minha anfitriã, Rachelle Hungerford-Boyle, mora num terceiro andar. Era um daqueles blocos habitacionais dos anos 20 sem qualquer interesse como há muitos na cidade. Toquei, o trinco disparou e subi ao apartamento. Na sala estavam espalhados extravagantes vestidos em segunda mão que ela tinha descoberto em vários mercados pelo mundo fora.

O meu quarto, com pouco mais de 3 x 3 metros, equipado com uma cama de casal e uma porta que se podia trancar, era mais do que suficiente. Também podia usar a cozinha e a casa de banho com chuveiro. Se me apetecesse não podia deambular nu, por exemplo, e não havia serviço de portaria para me reservarem uma mesa para jantar.

Nessa noite, no Simmons (bar da moda sugerido pela anfitriã), pus-me a pensar nos 50 euros que me custava o quarto em casa de Rachelle Hungerford-Boyle. Tive a sensação de que os preços eram um pouco à balda, isentos da regulação de um mercado mais amadurecido. Na minha etapa seguinte, eu queria mais.

Bienvenue, mon ami
Na manhã seguinte, apanhei um comboio para Paris, onde tinha sido reservado estadia através do airbnb.com. Na capital francesa, o Airbnb tem quartos a 10 euros nos subúrbios ocidentais e barcaças fundeadas no Sena a 220 euros por noite.

O estúdio que eu me propunha alugar tinha recebido comentários entusiásticos de utilizadores do site. Depois de pagar 75 euros pela reserva via PayPal, o serviço comunicou-me o endereço de correio electrónico e a morada. Menos de uma hora depois, estava no estúdio.

Szeps, o dono, aderiu ao Airbnb este ano. "Alugava o apartamento através do Craiglist, mas era um pouco arriscado. Não sabia quem me iria aparecer. Depois, recorri a uma agência de B&B convencional, mas a comissão tornava o apartamento muito caro." Desde que encontrou o Airbnb, chega a receber hóspedes três vezes por semana. Alguns ficam por um mês. Contornando uma agência imobiliária tradicional, que chega a cobrar comissões de 60%, ele consegue alugar o apartamento a um preço mais competitivo. O Airbnb cobra entre 6% e 12%.

Nem toda a gente está contente com os novos B&B. Os hoteleiros, por exemplo, lembram que estes alojamentos não têm licenças nem seguros e que, em muitos casos, são ilegais. Em Paris, por exemplo, alugar um apartamento por menos de um ano é considerado ilegal. E, em Nova Iorque, os inquilinos e proprietários não estão autorizados a subalugarem os seus apartamentos para estadas curtas sem autorização do senhorio ou da assembleia de condóminos. O porta-voz do Airbnb que contactei recusou-se a comentar o assunto. Fica a minha experiência: já dormi em muitos B&B parisienses e nenhum era tão confortável como o apartamento de Szeps, nem tinha tão boa relação qualidade-preço.

Bienvenido, tio
Última etapa: apanhei o comboio na Gare Montparnasse para Barcelona. Aluguei o apartamento através do http://www.istopover/.
No bairro Eixample - 15 minutos a pé das Ramblas - fui recebido por Arian Mostaedi, um editor de livros com 30 e tal anos, que me mostrou o seu T1 moderno com uma casa-de-banho brilhante e uma cama queen-size. E, bingo, um terraço coberto com espreguiçadeiras à sombra e árvores de citrinos. Por 80 euros, uma pechincha.

Mostaedi comprou o apartamento para alugá-lo, mas também ele tinha ficado frustrado com as agências e preferiu anunciá-lo através de um serviço menos dispendioso e que lhe permitisse seleccionar os hóspedes. Depois da visita, dei a Mostaedi o código que lhe permitiu receber o meu pagamento via iStopOver.

Essa é uma das salvaguardas do site. Se a descrição de um alojamento se revelar enganosa, é possível negar o código ao proprietário e o dinheiro pré-pago ao serviço é integralmente reembolsado. Outros serviços oferecem protecções semelhantes: o Airbnb retém o pagamento durante as 24 horas que se seguem à chegada ao alojamento; o Crashpadder recorre a pagamentos por cartão de crédito para verificar as identidades dos hóspedes.

Este meu último apartamento era superior. Como o foi a hospitalidade de Mostaedi e as recomendações que me fez. Deixou bolachas e fruta no apartamento e ligou-me várias vezes para se certificar de que estava tudo bem. Esta é outra vantagem das novas redes de B&B sociais: os anfitriões gostam de tratar bem dos hóspedes. Passei a maior parte do tempo em Barcelona estiraçado no terraço, entrando e saindo do apartamento para ir buscar bebidas frescas e fruta. Ao pôr-do-sol, chegou uma mensagem de Mostaedi, que perguntava se estava tudo bem e se precisava de alguma coisa. "Está tudo óptimo", respondi.
[ artigo sem crédito de autoria no original]
http://www.ionline.pt/