Educação

Assim vai o português. "Os professores têm de estudar mais"
por Cláudia Garcia e Marta F. Reis
14.06.2010

Novo livro da Fundação dirigida por António Barreto é uma reguada no ensino do português
Nos anos 80, Maria do Carmo Vieira, formada em Românicas, deixou de querer dar Francês। "Os textos passaram a ser só sobre queijos e cantores pirosos. A gramática era reduzida e o pretérito perfeito passou a ser considerado um conhecimento passivo, não era para ser ensinado", conta ao i. Admite, perante o fumo, não ter havido uma mobilização maior da classe, que contribuiu para o estado do ensino. "Nós não acreditámos que isto havia de se concretizar e por isso deixámos andar", lamenta. A leitura não é derrotista, mas um mea culpa com vontade de participar na solução.

Dedicou-se de corpo e alma ao Português - que ensina há 34 anos - e foi uma das mentoras do movimento contra o novo acordo ortográfico. Foi a experiência que motivou o convite do sociólogo António Barreto para assinar o primeiro de uma colecção de três de livros da Fundação Francisco Manuel dos Santos - criada no ano passado para aprofundar o conhecimento sobre o país. O ensaio "O Ensino do Português" chega hoje às bancas e é uma reguada à educação nacional e ao ensino da língua materna.

Os problemas vão da pedagogia à ilusão criada pelo programa Novas Oportunidades, explica a professora de 58 anos. A escola, na sua opinião, passou a ser "porta-voz do absurdo", uma metamorfose a que não faltam exemplos - a recomendação para transformar os "Morangos com Açúcar" em série educativa, promovendo a sua análise nas aulas, é um dos que aparece no livro.

"Os professores têm de estudar mais. Não podem aceitar as aulas como receitas que se tiram dos manuais. Não podemos despirmo-nos de nós próprios e perguntarmos aquilo que nos dizem para perguntarmos", diz a autora que vê a distorção da pedagogia, com estatísticas positivas a mascarar o facilitismo ou o aumento da permissividade, com sinais de um objectivo maior: "Fazer com que as pessoas não pensem."

As críticas acentuam-se quando o tema é a polémica Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS) ou a iniciativa Novas Oportunidades. A primeira, entende Maria do Carmo Vieira, veio afundar o lugar da gramática tradicional. "Impõem-se aspectos estéreis da língua, quando o importante é interiorizar a gramática. Não sabendo os tempos verbais, as conjunções, os advérbios, é evidente que não se pode falar bem a sua língua, e quando não se sabe falar bem não se sabe pensar bem", defende.

Neste campo, Paulo Feytor Pinto, presidente da Associação de Professores de Português, diz ao i que a falta de visão sobre a gramática já existe há mais de 30 anos. "O que nós fizemos foi convidar o Ministério da Educação a criar uma terminologia única e foi o Carmo e a Trindade", diz.

Já a iniciativa Novas Oportunidades na opinião de Maria do Carmo Vieira, é um "sistema perverso": por um lado contraria as expectativas dos candidatos que pensam que vão regressar à escola para se cultivarem, por outro "cria a ilusão de terem obtido uma equivalência ao básico ou ao secundário, que não existe, é fraudulenta", escreve a autora.

O balanço é negativo mesmo no mercado de trabalho, afirma. "Há empresas que preferem os alunos que fizeram o ensino recorrente aos das Novas Oportunidades. Se se questionassem estes alunos sobre determinados conhecimentos via-se logo a diferença."

Mal geral
Se o tema do ensaio é o português, não faltam considerações sobre a nuvem que paira há anos sobre a educação - onde pesam professores transformados em máquinas, e nos últimos anos com medo da avaliação. "Há momentos em que temos de desobedecer. Os alunos confiam em nós e isso não pode ser abandalhado", apela, como síntese de um trabalho que pretende que seja uma bandeira branca para o debate.

Especialistas contactados pelo i concordam que a falta de paz na educação está na origem de muitos dos problemas. "Há falta de paz nas escolas com guerras entre os professores e o Ministério da Educação nos últimos dois mandatos de governo. Nunca sabemos o que vai acontecer e isso reflecte-se nos alunos que vivem na incerteza", diz ao i Jaime Pinho, do Movimento Escola Pública. Paulo Feytor Pinto aponta ainda o descrédito das instituições: "A sociedade não acredita na escola, nem no papel que a escola tem na formação da personalidade dos jovens."

São unânimes ao considerar que os problemas do português são graves, por serem estruturantes. "Dá-se cada vez menos importância à língua falada e escrita, e há ausência de rigor. Os professores tornaram-se instrumentos de lógicas facilitadoras", diz João Grancho, da Associação Nacional de Professores.

Feytor Pinto apresenta uma lista de lacunas: falta de critérios de avaliação no sistema educativo, a carga horária (três horas por semana) é insuficiente e a pressão excessiva dos exames. "Portugal é o país na UE com menos horas para a língua materna", adianta.

"O sistema educativo português é uma manta de remendos", remata o responsável. É por aqui que passa a mudança, acredita Maria do Carmo Vieira. "Não podemos esperar que outros remedeiem o mal e ponham fim aos nossos lamentos", cita no fim do livro.
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