Angola / Sociedade

Feitiçaria incompatível com cristianismo

Muanamosi Matumonal
22.07.2010
O dossier sobre a proliferação de seitas em Angola continua na ordem do dia, quando peritos e outras instituições credíveis empenham-se, cada vez mais, para apurar argumentos que possam justificar o encerramento de algumas comunidades que operam no país, cujas doutrinas teológicas levantam muitas dúvidas sobre a seriedade com a qual desenvolvem as suas actividades.

Aliás, os trabalhos de investigação que vão prosseguindo com muita cautela, em todo o território nacional, surgem na sequência da solicitação do próprio Governo, que achou por bem tratar com pormenor esta questão que está a provocar, em parte, uma desordem social que, nestas circunstâncias, requer ordem, para manter uma certa estabilidade nas famílias, nos bairros e mesmo nas grandes cidades, onde muitos movimentos religiosos estão a causar pânico.

E tudo surge e ganha forma no âmbito do fenómeno religioso, que sustenta a existência de várias denominações, congregações e seitas. Entre os pontos fulcrais que estão na base do projecto do encerramento de algumas congregações e a rejeição de muitos pedidos para a legalização de outras, salienta-se o “culto da feitiçaria”, que está a ganhar um espaço considerável, mesmo sabendo das consequências graves que esta prática provoca.

As instituições afins têm dados certos sobre este fenómeno, que não deixa de ser um problema social, na medida em que afecta muitos compatriotas que estão a ser vítimas da exploração e dos caprichos de vários cidadãos que se auto proclamam “profetas”, “videntes”, “adivinhos”, devidamente inspirados por Deus.

E advogam ser possuídos de espírito que os ajudam a descobrir quem é feiticeiro na família, no bairro, no local de trabalho e nas próprias comunidades onde se reúnem em nome de Jesus Cristo. Com isto, é o cristianismo que entra em choque com elementos que não fazem parte de um verdadeiro credo religioso.

Todavia, por uma questão de curiosidade, nota-se que quase todas estas seitas se identificam com o cristianismo. E assim, dão a entender que a feitiçaria é um dos elementos importantes que dá forma à religião cristã.

Evidentemente, a feitiçaria surge, neste prisma, como um autêntico dilema: situa-se no universo dos espíritos e do sagrado, estruturas que fazem parte da religião, campo apropriado onde se pode falar deste facto. Assim, esta prática surge como objecto de estudo da sociologia ou antropologia religiosa angolana.

Neste contexto, os estudiosos de vários ramos abordam o problema do feitiço, reconhecendo esta realidade como elemento da cultura tradicional angolana, mas que interpela a teologia e a pastoral, campos também aptos para avaliar o fenómeno em causa.

Em sociologia e antropologia, poucas dúvidas há para aprovar a existência desta crença que é partilhada por muitos membros da sociedade angolana.

Como prática, como elemento cultural, o feitiço é reconhecido… É confirmado como parte imaterial ou ideal da cultura, é a área onde estão integrados vários tipos de crenças e práticas situadas na linha do sagrado. O feitiço encontra aqui a sua justificação como elemento cultural do povo angolano.

Mas o que é o feitiço? De uma forma geral, e no sentido mais amplo do termo, é utilizado para designar uma conduta de carácter mágico, na qual os objectos assumem características específicas, funcionando como seres dotados de poderes sobrenaturais, poderes esses que se julga repousarem no objecto e conferem-lhe o domínio do destino humano.

No sentido pejorativo, exprime apenas a idolatria dos primitivos, uma vez que o termo acabou por se tornar sinónimo de religião primitiva e as sociedades ditas primitivas explicam os diversos fenómenos naturais segundo uma relação baseada numa certa conduta mágica.

Talvez seja na base disto que o célebre filósofo alemão Hegel, falando do negro africano, terá sublinhado o seguinte na sua famosa obra “A razão na história. Introdução à filosofia da história universal”. Podemos resumir o seu princípio religioso nesta frase: “...em África, todos são feiticeiros…”.

Por seu turno, autores como Raul de Asua Altuna, conhecedor da cultura banto, no seu livro “Cultura Tradicional Banto”, considerou a existência do feitiço na sociedade angolana, crença aceite como um instrumento eficaz da magia, mas que não passa de um simples receptáculo, temporal ou permanente, de forças manipuláveis.

É impossível catalogar e descrever tudo, dada a grande variedade e a gama das suas propriedades. Podem ser locais, preservadores do mal, domésticos, benfazejos, defensivos, propiciatórios e vingativos.

Em cada situação, necessidade, desejo, desgraça, ambição, profissão ou estado, há sempre o recurso a ele. Sobre este fenómeno, não há nada que possa suscitar mais dúvidas, pois está bem claro que, como crença, o feitiço existe na sociedade angolana.

Pode ser lido no contexto da dialéctica religião e sociedade, pois há relação entre a religião e a vida social. Quanto ao feitiço, trata-se de um dos problemas levantados no âmbito da antropologia social e religiosa dos povos africanos e que provoca polémica.

Admitem-se distinções entre termos e figuras como mago, adivinho, curandeiro, mas tudo pode ser enquadrado no mesmo contexto: o da feitiçaria. Sobre este aspecto há uma certa unanimidade entre estudiosos, que aceitam que o feiticeiro faz parte da realidade que se situa do lado do mal, da noite, da destruição, do anti-social, pois pertence ao mundo tenebroso.

Quando é acusado, reconhece sempre as suas responsabilidades, mesmo sem consciência do que fez ou faz. Nestas circunstâncias, é severamente punido com várias sentenças: pode ser queimado, agredido até à morte, degolado, etc.

Perante esta leitura sociológica e antropológica, a teologia responde a esta questão, condenando, severamente, esta prática que vai contra a fé cristã, que ajuda a perdoar, a purificar e a salvar o próximo, não acusando este ou aquele.

Sabe-se que quando alguém é acusado de feiticeiro, gera-se o pânico, as crianças são rejeitadas e as famílias se dividem. O “profeta” que revela falsamente esta vertente destabiliza o acusado e as pessoas que lhe são queridas. Por isso, não deixa de ser um criminoso que deve ser sancionado.

Daí, a necessidade de velar pela ordem social, condenando teológica, pastoral e juridicamente as seitas promotoras desta prática. Pelo que é oportuno e justo este processo que trata da “morte” de algumas seitas no país, especialmente as que promovem a feitiçaria.
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