Cinema

"Nestes filmes gastam-se quantidades loucas de dinheiro"

por Dave Itzkoff
22.07.2010

É perito em thrillers complexos, mas não sabe fazer um trailer. "A Origem", de Cristopher Nolan, estreia hoje

Quase tudo no mundo de Chris Nolan é mais do que parece. Nas suas mãos, "Memento" (2000) transformou-se num thriller tenso com jogos psicológicos e seria o grande trunfo para uma carreira de independência cinematográfica.

O seu recente "O Cavaleiro das Trevas" (2008), que ganhou o estatuto de filme não realizado por James Cameron com maior receita bruta nos Estados Unidos, era tanto uma história de Verão de grande orçamento sobre um vigilante com fato de morcego, como uma meditação sobre heroísmo e terrorismo.
Até a sua casa, num quarteirão despretensioso de Hollywood, tem uma identidade dupla: é a sua residência e o bunker onde se fecha para trabalhar.

Apesar de muito se ter dito sobre o novo filme de Nolan, "A Origem", que estreia hoje em Portugal, pouco se conhece do enredo. Por opção do realizador, os trailers de "A Origem" mostram muito pouco além de uns fragmentos com o protagonista Leonardo DiCaprio.

Mas Nolan está confiante: acha que com estas pequenas migalhas conseguirá atrair grandes multidões. Por outro lado, o estúdio, a Warner Brothers, confia na imagem de Nolan: os espectadores olham para ele como um realizador que combina emoções íntimas com grandes doses de imaginação e como um autor de êxitos de bilheteira.

"Memento" difícil
"Quando alguém passa anos a fazer um filme e a gastar quantidades enormes de dinheiro - na verdade, gastam-se quantidades loucas de dinheiro nestes filmes - quer ver-se algo muito ambicioso", afirma Nolan, 39 anos, sentado ao lado da garagem, hoje transformada na sua sala de montagem. "É claro que há também todo o tipo de falhanços extremamente ambiciosos", acrescenta com uma gargalhada seca.

Veremos como se comporta "A Origem", cujas filmagens demoraram sete meses e passaram por seis cidades - Tóquio, Carlington (Inglaterra), Paris, Tânger, Los Angeles e Calgary (Canadá) -, tendo custado 125 milhões de euros.
Para Nolan - um homem alto e de boas maneiras, criado em Londres e Chicago e que tem o ritual de usar sempre sobretudo e camisa (mesmo em dias quentes) - esses números são necessários. "Descobri que não é possível executar este tipo de conceito em pequeno formato", diz enquanto bebe chá numa mesa de piquenique no seu quintal.

"Assim que começamos a falar de sonhos [tema do filme], o potencial da mente humana é infinito", acrescenta. "Ao chegar ao fim, tem de se sentir que se pode ir a qualquer lado. E tem de funcionar a uma escala imponente."

Com "Memento", o seu filme negro independente sobre um homem (Guy Pearce) em busca de um assaltante que lhe roubou a memória de curto prazo, Nolan demonstrou que é capaz de fazer obras convincentes em pequena escala.

No entanto, a experiência do seu lançamento ensinou-lhe uma lição sobre o sucesso rápido em Hollywood. Apesar do aplauso da crítica, "Memento" foi descartado por vários estúdios e, numa atitude pouco habitual, seria distribuído pela empresa que o financiou.
"Foi como entrar de moto a toda a velocidade num fosso de areia", refere Jonathan Nolan, irmão do realizador e autor do conto a partir do qual "Memento" foi adaptado. "Pensávamos que já tínhamos percebido completamente como é que este sítio funciona e depois tivemos de repensar."

"Batman" milionário
As expectativas à volta de Christopher Nolan aumentaram depois de thrillers de tecido complexo como "Insónia" e "O Terceiro Passo" e, sobretudo, pelo sucesso desenfreado dos seus filmes de super-heróis "Batman - O Início" e "O Cavaleiro das Trevas", que arrecadou quase 800 mil milhões de euros no mundo inteiro e valeu um prémio póstumo da Academia para o co-protagonista Heath Ledger.

Encontrar o sucessor para esse filme, diz Nolan, "pode ser paralisante se se escolhe assumir o crédito pelo sucesso em vez de entender que captar o espírito da época desta maneira é uma coisa única". E acrescenta: "Não se pode explicar." Em vez de "Batman", depois de um mês de férias na Florida, voltou ao argumento de "A Origem", que começara há quase uma década.

Embora os sonhos tenham sido sempre elemento essencial do cinema, Nolan acha que demasiadas vezes são tratados como "um pequeno programa de televisão que vemos quando estamos a dormir". Considerar o que aconteceria se muitas pessoas pudessem partilhar o mesmo sonho foi o salto crucial que permitiu terminar o guião de "A Origem".

A Warner Brothers, que distribuiu todos os filmes de Nolan desde "Insónia", em 2002, não teve muitas dúvidas em se comprometer com a enorme produção prevista pelo realizador, sabendo que esses detalhes - e o seu envolvimento - atrairiam espectadores.
"A dimensão do filme, a ideia, o elenco, o lado visual cria grande entusiasmo", explica Jeff Robinov, presidente da Warner. "Mas o Chris também contribui para a festa. Existe uma grande expectativa sobre como será o seu próximo filme."

Explicar "A Origem"
Para Leonardo Di Caprio (foto), foi difícil resistir ao argumento complexo de Nolan, mesmo sendo desconcertante em determinados momentos. "Era um guião pormenorizado e muito bem escrito mas precisávamos de ter o Chris em pessoa para expressar de forma articulada algumas das coisas que andavam a girar na sua cabeça há oito anos", diz o protagonista.

O actor Gordon-Levitt enfrentou desafios similares, treinando durante semanas para rodar uma sequência com gravidade zero. Ele explica que o esforço suplementar é um pequeno preço a pagar para ajudar Nolan a realizar a sua visão. "Não é muito comum que uma pessoa com tanta inspiração criativa como o Chris receba carta branca para fazer o que quiser."

Algumas vezes, durante as discussões sobre "A Origem", Nolan embrenhava-se em longos apartes para explicar as regras complexas que inventara para o seu mundo de sonho - "Garanto-vos que no filme não é confuso", afirmou uma vez depois de desembrulhar um determinado pormenor bizantino.
Mas não se desculpa pela campanha promocional ambígua. "Realmente, trata-se, na sua essência, de um grande filme de acção sobre um roubo e é um filme que não tenta confundir a audiência continuamente", diz o realizador.
Tendo em conta a complexidade do seu universo, "é muito mais difícil montar um trailer de dois minutos e meio que leve toda a gente a dizer 'Ah, bom, já sei de que se trata'".

Roubo? Nolan foi buscar inspiração a filmes de sucesso como a "Guerra das Estrelas" e a trilogia "O Senhor dos Anéis", que aludiam a realidades mais vastas. Em especial, diz, o alucinante "Matrix", de 1999, mostrou que uma audiência em massa podia aceitar "de certa forma um conceito filosófico extremamente complexo". Mesmo com um falhanço comercial de "A Origem", parece improvável que os planos de Nolan descarrilem.

Está preparado para realizar um terceiro filme de "Batman", planeado para 2012, e produzirá um novo filme com esse outro herói sagrado da DC Comics, o “Super-Homem”. "Mas é uma pessoa de um projecto de cada vez", adianta Robinov da Warner Brothers. "Nem sequer tem contrato conosco, quanto mais exclusivo."

A curto prazo, Nolan está ansioso para ver filmes de outros realizadores, um passatempo que tem dificuldade em concretizar quando está a trabalhar nos seus projectos. Acusado de roubar para "A Origem" elementos de "O Último Ano em Marienbad", a obra clássica do surrealismo new age de Alain Resnais, Nolan afirmou que só viu o filme pela primeira vez recentemente.

Confrontado com esses paralelismos, que diz serem involuntários, é desconcertante: "Basicamente, quer dizer que estou a roubar aos filmes que foram roubar a 'O Último Ano em Marienbad'", responde. As duas obras exploram a relação entre sonhos e memória e os cenários físicos aparentemente impossíveis são cruciais para o fascínio que imanam - embora haja um detalhe que distingue os dois, explica o realizador: "Temos muito mais explosões."
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The New York Times