Saramago

Espanha exige 717 mil euros de impostos em atraso do escritor


por Mariana de Araújo Barbosa
22.07.2010

Tribunal espanhol considera que o Nobel tinha residência fiscal em Espanha. Advogado vai recorrer da decisão

Dois meses antes de morrer - a 18 de Junho - o prémio Nobel da Literatura português, José Saramago, foi condenado pela justiça espanhola a pagar 717 615 euros, relativos aos anos de 97, 98, 99 e 2000. A decisão da Audiencia Nacional está relacionada com uma investigação levada a cabo pelas autoridades espanholas e que concluiu que o escritor - a viver em Lanzarote, Espanha, desde 93 - tinha residência fiscal no país onde vivia.

"Queremos que o Supremo Tribunal de Justiça avalie novamente a situação. Não se trata de discutir se a questão são quatro ou cinco. Queremos sublinhar que José Saramago sempre pagou todos os impostos, sempre declarou tudo e de modo algum beneficiou da mudança para Espanha", esclareceu ao i Andrés Sánchez, advogado do português.

José Saramago mudou-se para Lanzarote - para A Casa, no número 3 da Rua Los Topes, na pequena cidade de Tías - em 93, para onde foi morar com Pilar del Río. A mudança de Portugal para Espanha aconteceu depois de António Sousa Lara, então subsecretário de Estado da Cultura do governo de Cavaco Silva, ter proibido a apresentação do livro de Saramago "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" como candidato ao Prémio Literário Europeu. Saramago considerou a decisão inaceitável e mudou-se para Espanha.

"Os rendimentos de propriedade intelectual são difíceis de avaliar, porque podem ser oriundos de muitas partes do mundo", consideram os advogados contactados pelo i. "Muitas vezes, centra-se o domicílio fiscal em locais com uma tributação mais favorável", acrescentam, referindo-se, por exemplo, a casos de trabalhadores com altos rendimentos, que estabelecem como residência fiscal países como o Mónaco.

Apesar da mudança de país, o advogado do Nobel da Literatura insiste que Saramago nunca deixou de ter ligação a Portugal. "Apesar da ida para Espanha, e de ter rompido os laços com o governo português, José Saramago manteve sempre os vínculos afectivos e económicos com Portugal, como aliás se demonstrou junto de tribunais e autoridades espanholas", explicou Sanchez ao i.

Investigação

"A inspecção espanhola considera que a residência fiscal é Espanha. O assunto é complexo, mas trata-se de uma 'questão de facto'. E apesar de ter morada em Espanha, a residência fiscal de Saramago nunca deixou de ser em Portugal". acrescenta o advogado.

No comunicado enviado ao i, os advogados Andrés Sánchez e Diogo Ortigão Ramos defendem que "o escritor tinha o seu centro de interesses vitais e económicos em Portugal, país onde sempre apresentou as suas declarações fiscais".

No entanto, essa não foi a conclusão do tribunal espanhol: a Audiencia Nacional rejeitou o recurso contra a decisão de 2008 do Tribunal Central Administrativo, que considerou que o escritor tinha a residência permanente em Espanha, apesar de, segundo o advogado, José Saramago ter apresentado anualmente as declarações de rendimentos para efeitos de IRS e declarado a totalidade dos rendimentos, "sem que tenha sido questionado pela inspecção tributária espanhola" acerca do assunto.

"A determinação da residência fiscal das pessoas singulares é uma matéria complexa", referem os advogados em comunicado. Por isso, alertam para uma análise mais adequada das "circunstâncias de conflito de residência entre Portugal e Espanha, e que deveria resolver-se a favor de Portugal - nomeadamente de acordo com as normas da Convenção para Evitar a Dupla Tributação" comum aos dois países.

O advogado de José Saramago decidiu recorrer da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça espanhol. A sentença está agora dependente do recurso que aguarda ordem do Supremo para ser entregue pessoalmente. De acordo com os advogados, é no Supremo Tribunal que a viúva e herdeira de José Saramago, Pilar del Río, "confia" que sejam reconhecidos os "argumentos que determinam a residência fiscal de Saramago em Portugal".
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