A sociedade grande: remédio tory para a 'broken Britain'

por Gonçalo Venâncio
21.07.2010

Pôr vizinhos a eleger o comandante da esquadra e pais a gerir escolas. É a 'big society' de David Cameron

Num provocador livro de 1995, o cientista político Robert Putnam mostrou como os baixíssimos níveis de capital social na sociedade americana - resultantes da quebra da participação associativa e cívica - eram espelhados nas pistas de bowling.

Argumentava Putnam que cada vez mais e mais americanos optavam por derrubar os pinos sozinhos, o que fazia com que o convívio das ligas de jogadores fosse perdido. Com ele também desapareciam os prazeres da socialização e, em última análise, a vitalidade da democracia americana.

Recentemente, um relatório assinado pelo ministro britânico do Trabalho e Pensões, Ian Duncan Smith, mostra que o Reino Unido tem "problemas severos" relacionados com os baixos níveis de capital social.

Apenas dois em cada cinco cidadãos acreditam que podem fazer a diferença nas decisões que os afectam. Mais, só um terço dos britânicos acredita que pode confiar nos outros.

Estes indícios de ruptura social atormentaram o primeiro-ministro britânico David Cameron. A resposta aí está, com o governo de coligação liberal/conservador a lançar esta semana o projecto de fundação de uma nova sociedade, nos antípodas daquela que dependia do "governo grande".

Uma sociedade baseada na "responsabilidade" e no "respeito", onde cada um tem mais controlo sobre o seu destino e sobre o destino de todos. É a 'big society', a grande sociedade. "É a maior e mais dramática redistribuição de poder das elites de Whitehall para as pessoas", disse Cameron num discurso sobre aquela que é a sua "paixão política".

Mas, por trás do conceito, o que é afinal a 'big society'? Um projecto reformador da presença do Estado na sociedade e um libertador das forças do empreendedorismo.

Um projecto político que encoraja os pais a lançar projectos educativos se não se revirem nos que são oferecidos pelo poder central. Que dá aos moradores de um bairro a possibilidade de eleger directamente o comandante da polícia ou o médico chefe do centro de saúde. Que incentiva os vizinhos a organizar o estacionamento, a gerir bibliotecas, museus, postos de correio e até a definir os orçamentos municipais.

Transparência e descentralização são dois dos três pilares da big society - dinheiro, é o terceiro. "Pagaremos aos fornecedores de serviços públicos", disse Cameron, sofrendo de imediato críticas da esquerda, atemorizada com a privatização encapotada de alguns serviços na era da austeridade.

A sociedade civil portuguesa estaria predisposta a abraçar o desafio da big society? "Não creio", diz Manuel Forjaz. Para o director do Instituto de Empreendedorismo Social há uma dicotomia entre os países do norte e do sul da Europa relativamente ao papel do indivíduo.

"No sul há uma concepção absolutista do Estado. Tem de ser um fornecedor de serviços e também um solucionador de problemas em todas as áreas de influência do cidadão".

Mas, na opinião de Forjaz, o problema é mais vasto. "Não há, em Portugal, uma cultura de associativismo. Não há cultura de horário; não há cultura de divisão de recursos; e não há uma cultura de socialização". Também os portugueses andam a jogar bowling sozinhos.
http://www.ionline.pt/