LITERATURA

Jonathan Franzen quer deitar a América no divã

por Luís Leal Miranda
28.10.2010

Com apenas quatro livros é tido como um dos maiores escritores americanos. "Correcções" sai este fim-de-semana em Portugal
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Jonathan, 51 anos, Nova Iorque. Ornitólogo amador, mascador de tabaco, divorciado, trabalhador obsessivo, míope. As primeiras linhas de uma hipotética apresentação de Jonathan Franzen, segundo o modelo da correspondência sentimental, não entusiasmam. É preciso acrescentar à enumeração que Franzen é vencedor do National Book Award, finalista do Pulitzer e do prémio PEN/Faulkner; autor de "Freedom", romance que fez de Franzen o primeiro escritor vivo em dez anos a aparecer na capa da revista "Time".
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"Great American Novelist", lia-se dentro da moldura vermelha na edição de 23 de Agosto. A partir desse dia Jonathan Franzen passou a fazer parte do clube restrito de autores que se viram reflectidos na capa de uma das revistas mais lidas do mundo: Stephen King, Tom Wolfe, Toni Morrison, John Updike ou William Faulker, foram outros escolhidos.
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O motivo pelo qual Franzen aparece nas páginas deste diário é "Correcções", livro-trampolim publicado em 2001 que este fim-de-semana é posto à venda na sua versão portuguesa. Quando saiu nos EUA, precisamente na semana de Setembro em que dois aviões chocaram com duas torres, "Correcções" foi aclamado pela crítica e por outros escritores - Bret Easton Ellis chamou-lhe "um dos grandes livros da minha geração" - tornando difícil a tarefa de escolher quais os elogios escrever na badana.
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É a história de uma família americana "normal" (já se está mesmo a ver para que servem aqui as aspas), os Lambert, e do natal que devem passar todos juntos. Um texto sobre o regresso a casa que acaba por retratar a América dos anos 90 e, pouco depois do seu lançamento, iria enveredar pela mais conhecida auto-estrada norte-americana para o bestseller: foi escolhido para integrar as recomendações do "Oprah's Book Club".
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Golpe de teatro: Franzen não gostou da ideia. Disse numa entrevista que as escolhas daquele que é um dos grupos de leitura mais populares da América eram demasiado lamechas e básicas. Como resposta ao descaramento (ou frontalidade) de Franzen, Oprah retirou o livro das suas escolhas e anulou o convite para trazer o escritor ao seu programa. Jonathan ainda pediu desculpas e tentou jantar com a apresentadora, mas a agenda de Oprah ficou subitamente preenchida.
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Escrever devagar
Jonathan Franzen nasceu em Western Springs, um subúrbio de Chicago, Illinois, a 17 de Agosto, de 1959. Começou a publicar no final da década de 80 e foi sempre um escritor irregular, demorando até nove anos de um romance ao outro: o primeiro livro saiu em 1988, "The Twenty-Seventh City", o segundo em 1992, "Strong Motion". "Correcções" surge em 2001.
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Sempre que se senta a escrever Franzen é metódico - eufemismo para obsessivo. Fá-lo num escritório alugado de decoração franciscana, num PC antigo cujo disco rígido está despido de software sobrando um processador de texto. A internet está banida: removeu a placa de wireless e bloqueou o cabo de acesso ethernet com super-cola. "Não acredito que alguém consiga escrever boa ficção ligado à internet", disse ao "Guardian".
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"Correcções" vendeu 2,85 milhões de exemplares e o "The New York Times" chamou-lhe "o fenómeno literário da década". Mas a consagração veio com "Freedom" (chega a Portugal em Abril ou Março de 2011), o livro que o presidente Obama quis ler antes de ser posto à venda - e conseguiu. É mais uma história de família (curiosidade: Franzen não tem filhos) onde acaba por caber a América inteira. Franzen confessou ao jornalista da "Time" ter tido mais problemas em escrever este romance do que todos os outros. Mas houve algo que o empurrou - para ser mais correcto, o abanou.

A 12 de Setembro de 2008 o escritor David Foster Wallace foi encontrado morto em casa depois de 20 anos a lutar contra uma depressão. Franzen, um dos melhores amigos e colega de corrida - a corrida pelo título de melhor romancista americano - , ficou destroçado. E reagiu assim: "O quê, vais fazer isso? Vais ser o herói, o tipo genial que morre jovem? Isso... isso é um golpe baixo. Agora vou ter de levantar o cu e escrever alguma coisa realmente importante", contou à "Time". E parece que conseguiu.
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Mas será Franzen um fenómeno literário ou epifenómeno mediático? "Com a morte de escritores como Salinger, Mailer, Bellow e Updike", explica o crítico Bruno Vieira do Amaral, "é normal que o mercado queira dar novas referências ao público, dizer ''isto é o que interessa'' e isso, por vezes, pode resultar em exageros. Há outros autores que podem disputar o trono (Dave Eggers, Junot Diaz) mas a verdade é que nenhum tem beneficiado da atenção mediática dispensada a Franzen".
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