UMA FUTURA ATRIZ PORNÔ COM NOME DE SANTO

São José Correia

por André Rito
05.08.2010

Começou no teatro infantil, faz televisão e cinema. Chorou na sua primeira cena de sexo. "Gostaria de realizar um filme pornográfico"

Na semana passada contactámos a actriz São José Correia, a propósito da estreia do filme "Inimigo sem Rosto". A entrevista ficou agendada para a manhã do dia seguinte com um único senão: "Hoje à noite vou sair", avisou-nos, simpática, a protagonista do filme.

No dia seguinte, meia hora antes do encontro, a mensagem que ninguém queria receber: "Não vai dar". Uma semana depois, foi ela própria a telefonar, e desta vez cumpriu. Chegou maquilhada e bem-disposta, praticamente a horas, para uma conversa de duas horas e uma sessão de fotografias. São José falou abertamente sobre quase tudo: a infância em Almada, o começo da carreira, as novelas, o teatro, as cenas de sexo no cinema. E confirmou aquilo que já todos esperávamos: é uma mulher desassombrada e sem papas na língua.

Estreia hoje um filme que foi rodado há mais de cinco anos. Ainda se lembra da história?
Mais ou menos. Foi um convite que surgiu numa altura bastante feliz da minha vida. Contraceno com o José Wallenstein e o Albano Jerónimo. Na época estávamos a participar numa peça de teatro e, quando acabamos esse espectáculo, fomos os três direitinhos para o filme. Mas com papéis trocados: na peça eu era a mulher do Wallenstein, no filme sou a ex e amante do Albano. Faço o papel de Paula, uma prostituta de luxo.

Como preparou a personagem?


O universo das meninas de luxo não é uma coisa assim tão distante. Conheço algumas mulheres que trabalham nisso. São pessoas muito desprotegidas que precisam da figura do homem para ter segurança. Ao mesmo tempo, essa condição faz delas pessoas muito humanas com uma angústia permanente no olhar. Estou muito curiosa para ver o filme. Acho que vou gostar mais agora do que se tivesse estreado logo a seguir. Quando passa pouco tempo, tenho consciência dos erros que cometi. Agora vou ter uma atitude de espectador com a distância necessária.

Mas chegou a conversar com alguma mulher de programa?

Sou muito rigorosa na preparação dos meus papéis, mas neste caso não foi preciso ouvir testemunhos. Recentemente, na novela "Olhos nos Olhos", fiz de transexual. Aí sim, falei com pessoas, vi filmes, descobri coisas improváveis. Era importante perceber a postura, os movimentos, a forma como usam as mãos. Claro que em televisão, esses detalhes passam ao lado. O trabalho de casa acaba por ser um bocadinho inglório.

Gosta de se ver nas novelas?

Já gostei mais de fazer novelas. Se estreia uma, dou uma espreitadela para ver quem está. Mas não aguento muito tempo a ver. E é sempre um olhar mais profissional, já que não sou espectadora, não gosto muito do tipo de texto nem da representação. A televisão é um meio muito perigoso e difícil para quem vem do teatro e está habituado a ter tempo. Nas novelas isso é impossível.

São um mal necessário na vida dos actores portugueses?

A partir de certa altura a máquina torna-se violenta. E os detalhes, que devem ser cada vez mais cuidados, em televisão tornam-se irrelevantes. Por outro lado, as telenovelas dão um certo conforto financeiro, que te permite ir de férias, comprar roupas, livros, fazer workshops. Essa segurança é importante. Quem o nega é aldrabão.

Ao mesmo tempo isso torna a vida de um actor numa coisa desinteressante.

É verdade, acaba por não se dar valor a esta profissão. A solução é ir fazendo outras coisas, em cinema e teatro. Entrei agora num filme em que fazia de uma stripper espanhola dos anos 70. Trabalhei durante uma semana com uma profissional do Passerelle que me ajudou a fazer uma coreografia. E durante esses dias, vesti completamente a pele de uma stripper. Ia ensaiar às três da tarde e dava um gole de whisky, como se fosse meia-noite e estivesse a trabalhar num desses clubes. Na televisão, se não souber fazer strip, eles fazem um plano da tua mão ou de outra coisa qualquer. E acaba por não se aprender nada.

Dá a sensação que hoje se privilegia a beleza em detrimento do talento. Concorda?

Não há como fugir disso. A televisão é para fazer as pessoas sonhar, como a ficção em geral. Ninguém quer ver um elenco de pessoas gordas e feias, temos de ser justos e realistas. Claro que deve haver um compromisso entre o padrão de beleza e o talento. Mas isso nem sempre acontece. A noção de talento em televisão é uma coisa muito relativa.

Como é que lida com essa ideia, de fazer parte desse jogo?

Já vi cenas minhas muito más. Mas a carreira de um actor não é só coisas boas. Há novelas em que não fico nada satisfeita. Mas compenso-me com o teatro. Vou agora trabalhar numa peça nova, do Rogério de Carvalho, para fazer a "Electra", de Alexandre O''Neill. Vai ser no teatro de Almada, enquanto gravo novelas. O espectáculo tem quatro horas.

Como gere os vários papéis ao mesmo tempo?

Vou andar completamente rota, é uma coisa neurótica. Ao fim do dia não sobra espaço mental nenhum para mim. Passo 24 horas sem pensar em mim, o que é delicioso. Estas duas personagens vão ser completamente opostas. Não sei como vou fazer.

Ensaia muito em frente ao espelho?

Neste trabalho da stripper filmei sempre os meus ensaios caseiros, seguindo a coreografia da tal stripper. Coisa paranóica: colocava a câmara, via o enquadramento, clicava no botão e ia a correr para a frente da lente. Trabalhar ao espelho ajuda muito, mas filmar dá-me outra percepção.

Mudando de assunto. É verdade que queria ser uma advogada rica?

(Risos) Acho que a última coisa que fiz para ser advogada foi seguir a opção de teatro. O tribunal tem qualquer coisa de teatral: tens audiência, discurso, palavra. Se calhar era esse desejo de ritual que estava no meu inconsciente. Lembro-me perfeitamente de fazer a primeira comunhão e de ter adorado decorar o texto, o ensaio, a cerimónia, tudo. Tinha oito anos.

Isso não devia ser um pesadelo para quem dizia ter dificuldades para falar em público?

Era muito tímida e é verdade que nunca gostei de falar para muita gente. Tinha muito medo da avaliação, que é tudo o que um actor não pode temer. É violento, mas é necessário. Em teatro o escrutínio é imediato, se a coisa está a correr mal percebes logo.
Isso desconcentra-a em palco?

Nunca encaro o público, falo sempre para a última filma. Caso contrário é fatal. O grande objectivo do actor é a pequena zona de atenção, que é quando não tens consciência de nada: és tu, os teus objectivos, a tua história. Tens de saber defender-te do público ou do que vai acontecendo à tua volta.

Já viveu alguma situação embaraçosa em palco?

No ano passado fiz os "Monólogos da Vagina", uma peça feita a partir de uma série de textos sobre o universo feminino. O espectáculo começava com um dos meus monólogos. Quando entrei em cena e percebi que alguma coisa estava mal. Ainda havia pessoas a sentarem-se e comecei a ficar muito nervosa. Foi aí que percebi: ''Foda-se, comecei o espectáculo com as luzes acesas''. Metade do que eu tinha dito ninguém ouviu. E fui ficando cada vez mais tensa. No meu terceiro texto, estava tão desconcentrada que fiquei com a boca completamente seca. Os lábios colaram-se aos dentes e disse que tinha de beber água. Entretanto, a pessoa que deveria trazer-me água tinha ido fumar um cigarro e tive de insistir. Depois lá trouxeram. Foi horroroso, a pior estreia possível. Há uns anos também cortei o queixo a meio de um espectáculo. Tenho muitas peripécias.

Apesar de não ter feito o conservatório, teve uma boa escola, o teatro infantil. Não deve haver público mais complicado do que as crianças.

Fiz teatro infantil durante anos. Os miúdos são totalmente honestos, só entram no jogo se os convenceres. Caso contrário, comem rebuçados, falam para o lado, vão à casa de banho e acabou o espectáculo. Eles pressentem o medo, se não acreditam em ti estás feito. Aprende-se muito com a exigência das crianças. Depois disso, acho que o público adulto se torna mais fácil.

Lembra-se da sua estreia?

Foi em Viseu, com uma peça infantil chamada Sopa de Pedras, aos 19 anos. Foi tudo a correr, cinquenta minutos que passaram em cinco. Frenético.

Mas correu bem?

O actor tem um aliado, o cansaço. Não ficas tão rígido nem tão atento aos teus erros. Fomos no próprio dia do espectáculo, montamos, descarregamos a carrinha, tudo. Estava tão cansada que, quando acabou, só disse: ''Ah, estreei.'' Não deu tempo sequer para ficar nervosa.

É a mais nova de quatro irmãos. Era muito protegida?

Sim, de alguma forma vivi aquela coisa de ser caçula e menina. Quando éramos miúdos andávamos sempre à porrada e o meu irmão passava a vida a defender-me. Sempre fui muito miúda de andar na rua, íamos para o Ginjal e para as praias da Costa. Curiosamente, nunca tive muita liberdade para sair de casa à noite. Só aos 17 anos é que comecei a vir para o Bairro Alto. Mas sempre fui muito das brincadeiras, guitarras, djembé. Tive uma juventude simpática, jogava imenso snooker. Houve uma altura que era completamente viciada. Ainda jogo.

A família apoiou a decisão de seguir uma carreira ligada ao teatro?

Quando comecei a fazer teatro foi mais complicado. O meu pai não queria, mas tive sempre apoio da minha mãe e dos meus irmãos. Fazia as coisas às escondidas. Bati o pé, se não batesse provavelmente teria sido advogada. No nono ano fui para Teatro e depois, como não consegui o conservatório, ingressei num curso de formação de actores da companhia do Teatro de Almada e acabei por ficar nove anos a trabalhar lá. Só depois tive contactos com novelas, telefilmes e fui obrigada a abandonar e tornar-me freelancer.

Há sempre uma conotação sexual quando se fala de São José Correia. Lida bem com isso?

Vivo de forma pacífica. Não ligo muito a isso, ou não ligo tanto como a generalidade das pessoas. As pessoas meteram uma imagem minha na cabeça.

Mas a São José não é alheia a essa imagem.

Claro que eu entro no jogo, nas entrevistas que dou e na forma como digo as coisas. Mas é sempre mais pelo prazer do próprio jogo do que propriamente falar sobre mim.

Isso significa que esta entrevista é uma encenação?

Acaba por ser. Quer se queira ou não, tu não és meu amigo. No início cometi alguns erros, falava com os jornalistas como se o fossem. E depois saem aqueles títulos pavorosos.

Nunca se arrependeu de nada do que disse em público?

Tantas vezes...

Como o ter assumido que gostava de pornografia, numa entrevista à "Maxmen"?

Sim, gosto muito de pornografia. Já li e vi mais, é certo. Mas gosto, mexe comigo. Acho que o sexo é muito importante, apesar de não acreditar que seja prioritário. Com a idade vais tendo outras. Mas escrevo e tenho vontade de um filme pornográfico. Sei que é uma coisa que se esgota rápido e que entrar nesse meio a sério não é assim tão interessante. Mas tenho esse projecto.

Isso é uma revelação e tanto...

(Risos) Há uma grande amiga minha que escreveu um livro do género. Já pensei em realizar as histórias dela.

Estamos a falar do "Vírgula, Caralho", deduzo. O que deu à sua amiga para escrever isso?

(Risos) Ela é como eu, gosta imenso de pornografia e tinha acabado de ler as "Onze Mil Vergas", que é nojento mas ao mesmo tempo muito cómico. E pensou: "Bem ou mal, porque é que não escrevo?" Acabou por fazê-lo e eu gostei imenso do livro, acho piada. A pornografia tem a ver com divertimento, não é nada sério.

Como lida com a sua exposição pública?

Tento ignorar. Não ando disfarçada, mas sou discreta a entrar num restaurante ou café. Existe sempre a comparação com os personagens das novelas. ''Ah, afinal é mais gorda, é mais baixa, é mais feia.'' Normalmente não me chateio muito, mas se estiver num dia mau isso deixa-me maldisposta.

É muito abordada na rua?

Nem por isso. Há gente que o faz, e nisto de virem falar comigo na rua há uma coisa que me deixa particularmente feliz: reconhecerem-me pela voz. Não percebo porquê, mas dá-me uma certa vaidade quando elogiam a minha voz. O que não gosto é daqueles que elogiam e depois querem beber um copo, pedem o meu número de telefone.

Alguma vez deu?

Sim, a uma única pessoa. E fiquei arrependida. Ainda hoje me telefona, seja às 9 da manhã ou onze da noite. Há pessoas com parâmetros um bocadinho estranhos. Imagina, por exemplo, uma miúda de 15 anos ter acesso ao telefone de alguém que conhece da televisão. Isso torna-se muito especial na vida dela. Tenho pessoas que vão ver as minhas peças todas e que têm montagens com fotografias minhas. Coisas fabulosas, como posso tratar mal uma pessoa dessas? Mas não lhe posso dar o meu número de telefone.

É verdade que chorou quando fez a sua primeira cena de sexo em cinema?

Sim. Foi num filme de terror chamado "I''ll See you in my Dreams". Era uma cena de sexo puro e duro, sem qualquer tipo de carinho. A indicação do realizador era para ter um orgasmo em 30 segundos. Se simular um orgasmo já é difícil, naqueles trinta segundos era ainda pior. Como se faz isso sentindo um corpo estranho? Não há curso ou workshop que te prepare para a invasão da tua intimidade.

Quantas pessoas estavam?

Quatro, o mínimo dos mínimos. Um operador de câmara e assistente, um assistente de realização e o operador de som. Na régie estavam o realizador e director de fotografia. Estava completamente nua, numa casa velha, em Tondela. A cena foi feita em cima de um cobertor daqueles da tropa, coisa desconfortável e áspera. Tudo era hostil, a forma como a cena se desenrolava, era frio e distante, sexo por sexo. Era quase impossível abstrair-me desses sinais. Até que a meio da cena o realizador perguntou se queria parar e continuar no dia seguinte. Disse-lhe que sim e fui para o quarto chorar. Foi horrível, uma enorme frustração.

E depois, quando viu a cena?

Fiquei cheia de orgulho, acho que até eu acreditei naquilo. Hoje em dia lido bem com essas cenas. Ainda agora fiz o show de strip burlesco com o prazer da exibição, da arte de despir. E como consegui? A beber uns goles de whisky.
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