LIVRO

A visão não autorizada de Angelina Jolie

por Janet Maslim
02.09.2010

O mesmo biógrafo de Diana e Tom Cruise meteu agora o nariz na vida de Angelina Jolie. Saiba o que descobriu


Angelina Jolie já acumulou um Óscar, vários Globos de Ouro, um Global Humanitarian Action Award, um Freedom Award e um lugar no Conselho de Relações Externas dos EUA.

Conseguiu tudo isto enquanto se afirmava como uma das poucas estrelas femininas de Hollywood capaz de vender um filme sozinha (em 2009, a "Forbes" apontava-a como a actriz mais bem paga do planeta) e, ao mesmo tempo, esmagava toda a concorrência para o título de “Mãe Mais Atraente do Mundo”

Essas distinções são agradáveis, mas agora vem a melhor: Jolie foi biografada por Andrew Morton, no livro "Angelina: An Unauthorized Biography". Normalmente, Morton não escreve sobre celebridades comuns. Ele escolhe pessoas - Diana, princesa de Gales; Tom Cruise; Madonna; Monica Lewinsky - que não só se tornaram superfamosas como também agitaram o mundo.

O que é que qualifica Jolie para estar em tão selecto grupo? Eis a versão curta: linhagem hollywoodesca (filha do actor Jon Voight e da modelo Marcheline Bertrand), linda de morrer, fase gótica, tatuagens (diz-se que tem 13 ao todo), sangue em frascos, Billy Bob Thornton (o ex-marido), heroína, sadomasoquismo, bissexualidade, grande beijo molhado ao irmão, maquilhagem encantadora, seis filhos, talento para o controlo da imagem. E destruidora de lares (sim, a disputa entre Angelina Jolie e Jennifer Aniston por Brad Pitt ainda não foi esquecida).

Como existe algo de misterioso à volta de Jolie, a actriz seria um enorme desafio para um biógrafo vulgar. Mas, para vasculhar a vida dos outros, Morton tem um método que lhe permite ultrapassar facilmente esses obstáculos: as fontes são para amadores. Não há notas de rodapé a manchar a simplicidade da sua pesquisa.

Dos que falaram com ele, muito poucos dão a cara. E as mais ansiosas por lhe contarem coisas sobre Jolie são pessoas que não a conhecem, pelo que o livro está cheio de revelações ocas de talentos psiquiátricos duvidosos.

Isto significa que "um psicólogo que conheceu Jennifer num evento social" pode opinar livremente sobre a importantíssima separação Brad Pitt-Jennifer Aniston, a mais conhecida cisão conjugal na qual Jolie esteve envolvida, embora a protagonista de "Tomb Raider" garanta não ter tido absolutamente nenhum papel nessa história. "As suas impressões digitais seriam descobertas na cena deste crime conjugal", escreve Morton.

A indústria dos mexericos sensacionalistas tem dedicado muitas horas e linhas a relatar este tipo de episódios, o que limitou as possibilidades de Morton vir a acrescentar algo de novo à bisbilhotice.

Mas ele aparenta ter duas qualidades importantes para este registo: uma é a capacidade para desenterrar informações confidenciais, como a da tatuagem do nome Billy Bob Thornton em zonas íntimas de Jolie, que está escrita em caracteres Helvetica (foi a própria tatuadora que desenhou a inscrição que lhe contou: "Ela não queria fazer, mas não se diz ''não'' a Angie."); A sua outra qualidade é relacionar experiências biográficas.

Uma coisa é reunir uma série de relatos sobre quão estranha Jolie pode ser e outra é dar uma boa explicação para ela ser assim.

Os clichés

O livro não foge à história já explorada dos traumas de infância. Jolie nasceu em 4 de Junho de 1975 (uma data que Morton pede à ex-astróloga de Diana que analise), filha de Marcheline Bertrand, então uma bela e ambiciosa actriz e modelo em ascensão, e de Jon Voight, na época uma importante estrela de cinema.

Vamos accionar o gerador de clichés de Morton para que a história do nascimento possa ser contada devidamente: O casal vivia na Califórnia, "um local lendário com sol infindável, Beach Boys, louras de biquíni e pêssegos amadurecendo à beira das estradas." O casamento foi um conto de fadas.

Mas Voight "atraía mulheres como as chamas atraem traças". Começou um relacionamento com uma bonita traça quando a bebé Angelina tinha apenas alguns meses de idade. E confessou-o à mulher. Para Morton e para o seu coro de sábios com inclinação para a psiquiatria, foi esta a crise que moldou Jolie. O casamento acabou. A mãe tornou-se irrevogavelmente mais amarga, ao ponto de as suas últimas palavras antes de morrer, em 2007, terem sido "não deixem o Jon entrar aqui".

O pai tentou cuidar dos filhos durante os primeiros anos mas perdeu o rumo. E a bebé Angie, muito parecida com o pai, foi deixada ao cuidado de baby-sitters por uma mãe perturbada que não suportava olhar para ela.

Uma dessas baby-sitters, "modelo em part-time", encontrou-se com Morton para lhe contar a verdade sobre a forma como a criança era tratada. Disse que, naquele tempo, Voight era muito sensual. E acha que a filha herdou a libido do pai, não da mãe. Como podia a baby-sitter saber isto? Por cada pergunta que Morton faz, há muitas outras melhores que ele ignora.

Predadora
Depois da infância, a biografia segue, relacionando os anos sombrios e atribulados da adolescência com as zangas domésticas e a educação hippie do "deixa andar". A melhor parte do livro é o retrato de uma vida familiar disfuncional, em que descreve o sofrimento do irmão mais velho de Jolie, James (que disse a um jornalista que uma das coisas mais tristes da sua vida foi não ter um carro quando frequentava o liceu de Beverly Hills) ou o efeito que tais experiências vieram a ter na vida de Jolie.

Angelina envolveu-se em intermináveis querelas e afrontas com o pai arrependido mas autoritário - o qual, salienta Morton com perspicácia, deixou que a filha se comportasse como uma adulta descontrolada numa tenra idade e depois tentou recuperá-la quando era demasiado tarde. Esta situação tornou-se tão penosa, segundo o livro, que no salão onde Voight corta o cabelo escondem frequentemente as revistas cor-de-rosa com receio de o transtornar com fotografias da filha.

Morton parece dividido entre o deslumbramento com a beleza de Jolie e a compaixão pelo homem que tem sido subjugado por ela. E há muito mais: o modus operandi de Jolie parece envolver a persuasão de homens casados ou comprometidos de forma a agirem exactamente como o pai agiu, traindo as mulheres com quem têm uma relação. E então ela segue adiante. Não é habitual Jolie manter-se na mesma fase durante muito tempo.

Então, como explica Morton a presente encarnação de Jolie? Não explica, e as suas omissões falam por si. Morton apresenta Pitt como "um pouco falhado"; salienta a falta das qualidades artísticas sombrias e melancólicas que normalmente atraem Jolie; e alerta para se ter "cuidado com o que se deseja", quando se refere à grande família feliz com que Jolie sonha.

Morton ficaria mais surpreendido se Jolie não voltasse a surpreender o mundo - uma e outra vez, de forma tão hipócrita, traiçoeira, sorrateira e desleal quanto possível. Por isso, ele prefere a ideia, que injustamente rejeita para Jolie, de ela se tornar "parte da mobília no mundo das relações internacionais e da ajuda humanitária".

Certamente ficaria desapontado se ela começasse a comportar-se de forma demasiado honrosa para dar azo a êxtases sensacionalistas, como os que fizeram de Morton tamanho líder na comunidade das bisbilhotices. "Quando Angie lhe apertou a mão", escreve Morton com alegria, "Jennifer terá tido motivos para se perguntar se ela estaria a estender-lhe os elegantes dedos em sinal de amizade ou a medir a sua próxima vítima, como um enforcado que calcula o comprimento da corda necessária para a queda." Ele lá saberá. As suas tácticas encaixam nesta descrição.
The New York Times
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