MODERNIDADE

Airbus. Uma razia de 560 toneladas a Salzburgo

por Filipe Paiva Cardoso
03.08.10
Foi um trajecto de hora e meia: Munique a Salzburgo, e regresso a Munique. Voar nunca mais será o mesmo

É difícil não me sentir como aquele idoso que, ao final de vários anos, vem finalmente à capital de comboio para ter o seu baptismo de voo. Saio da província [Portugal] pelas 7h00 para chegar à capital [Alemanha], pouco depois do meio-dia. Tudo normal, mas a ansiedade era muita.

Afinal, ia reviver a emoção do baptismo de voo e experimentar um Airbus A380, depois de tantos e tantos caracteres dedicados a este avião cujo preço médio ronda os 350 milhões de euros e que cria mais empregos que a maioria das empresas portuguesas. "São 350 a 400 postos de trabalho por cada avião, entre pilotos, comissários, equipas de limpeza, catering...", diz-me o vice-presidente da Lufthansa, Karsten Benz.

Chegado ao embarque, percebi que não era o único provinciano: a ansiedade estava por todo o lado. Famílias inteiras, mecânicos, comissários, responsáveis da Lufthansa, todos estavam de máquina fotográfica em riste para garantir uns recuerdos do avião - para mim, e à boa maneira portuguesa, reservei logo o folheto de informações sobre como sair do A380-800 em caso de incidente. Mas com autorização dos responsáveis da companhia alemã, note-se!

"Era para me ter reformado em 2007, mas quando soube que a Lufthansa ia comprar o A380, decidi continuar a trabalhar para ser neste avião que termino a minha carreira", confidencia Robert Steiner, comissário da companhia alemã há mais anos do que quer admitir - 34, acaba por confessar. Este foi o seu terceiro voo num A380. "O primeiro foi logo na estreia, para levar a selecção alemã ao Mundial."

Com dez lugares por cada uma das 44 filas do andar de baixo, são necessários 21 tripulantes para cada voo deste gigante. "É sensacional. Quando recebemos o primeiro 747-400 também foi algo único, mas isto é outra coisa", continua Steiner. Aponta logo uma das vantagens que só quem anda diariamente num avião reconhece: "Lá em cima [primeira classe], o ar é 25% mais húmido que o normal num avião. A comida sabe logo melhor."

Mas dentro deste gigante a vida na classe económica não é assim tão diferente quanto noutros aviões da família Airbus. Dois pormenores, contudo, fazem a diferença na interpretação do espaço: com janelas maiores e o tecto um pouco mais longe da cabeça, sinto-me com mais espaço - além de já não ser necessário invadir o espaço do passageiro do lado caso não esteja num lugar à janela. Basta olhar.

16h47. Finalmente começa a rolar. Penso no tempo que demorará a levantar do chão. Faltam ainda alguns minutos, vamos passeando pela pista. Pela janela vêem-se de dezenas de trabalhadores do Aeroporto de Munique maravilhados com o gigante que se vai preparando para descolar.

17h12. Ready for take-off. Motores a fundo. Primeira impressão: "Que desilusão." Este avião está de tal forma bem revestido e pensado que mal se ouvem os quatro motores Rolls-Royce Trent 900: cada um pesa dez toneladas e, quando em velocidade de cruzeiro, produzem energia suficiente para abastecer uma cidade com 120 mil casas. Pensava que ia ensurdecer com o barulho dos motores. Mas não. Contas rápidas e sem grande ciência dizem-me: "Demora mais uns 6/7 segundos que outro Airbus" (foram três voos num dia, dois de A320 e A321 e um de A380, daí o cálculo). Pensei que demorasse mais. Percebi então que a envergadura das asas ajuda a que assim seja - são maiores que o corpo do avião, o que não só reduz os efeitos da turbulência como facilita a descolagem.

O piloto talvez sinta a mesma desilusão que eu. Isso explica as brincadeiras que começa logo a fazer assim que o avião está no ar - algo que teve direito a muitas palmas. Balança para a esquerda, balança para a direita. O piloto brinca um pouco com o A380 para desgosto de quem está ao meu lado. "Será que o avião já tem sacos para o enjoo?", pergunta-me - era um voo de exibição. Tinha, mas não foram necessários.

Nem quando passámos a escassos metros do Aeroporto de Salzburgo, a cerca de 300 quilómetros/hora, para deleite de todos. Palmas. Muitas. Uma razia como só em festivais aéreos se vê. Mas para quê palavras quando temos o YouTube? Basta procurar por "Lufthansa Airbus A380 ''München'' D-AIMB in Salzburg", e verá o voo rasante de que falo, assim como uma das razões para a minha vizinha se ter sentido indisposta.

Foram dois voos de exibição que a Lufthansa preparou para mostrar ao mundo os seus dois novos A380. Ambas as viagens, com bilhetes entre os 99 euros e os 999 euros, permitiram angariar 100 mil euros para projectos de caridade patrocinados pela companhia alemã.

"Deviam fazer mais voos destes", comento com o responsável da Lufthansa para o mercado israelita. "Pois. Mas precisamos de pôr os aviões a render", responde. É justo. E, ao que parece, não vai ser uma missão muito difícil, até porque o mundo está cheio de provincianos, como eu e os demais passageiros do meu Airbus A380.

"As pessoas agora ligam-nos e perguntam em que dia é que o A380 voa para Tóquio", contam-me da Lufthansa. Já não haverá grandes problemas desde ontem, dia em que os alemães começaram a voar diariamente entre Frankfurt e a cidade japonesa com os dois gigantes dos ares que já compraram. Até 2015 esperam ter na frota um total de 15.

O choque foi enorme. Aterrámos em Munique perto das 19h00. Em cima da hora para voltar para Lisboa. Quando dei por mim, estava no voo de regresso. Não passaram mais de 20 minutos entre o céu e o inferno. Entre o A380 e o comboio de seu nome A321 que me levou de volta à terrinha. Apercebi-me então que voar nunca mais vai ser o mesmo.
www.ionline.pt/