SUIÇA BUSCA 'DIGNIDADE'
NA PROSTITUIÇÃO

por Ariane Gigon, Zurich
07.09.2010

Está em andamento um processo de grande amplidão em Zurique contra proxenetas e traficantes de mulheres. Ao longo das investigações foi demonstrado como se desenvolve a prostituição forçada e como as vítimas são tradadas de "mortas vivas", segundo uma procuradora.

Silvia Steiner sabe do que fala. A procuradora de Zurique é especialista do crime organizado e já instruiu vários processos de tráfico de mulheres e de prostituição forçada. Segundo ela, o que ocorre com as vítimas é um "assassinato social e emocional".
Foi o que ela declarou no tribunal de Zurique durante a acusação, no maior processo desse gênero até agora na Suíça, inclusive pelo número de vítimas que aceitou testemunhar: 16 mulheres. "Em um futuro previsível, nenhuma delas poderá ter uma vida cotidiana normal. Elas são mortas vivas", disse a procuradora Steiner.

A prostituição é cada vez mais importante em Zurique, sob todos os aspectos. Muito visível sobretudo na Sihlquai, uma rua muito movimentada atrás da estação ferroviária, causando muito incômodo aos habitantes dessa região.

A prostituição é legal na Suíça e as estrangeiras podem exercer, se requerem uma autorização, durante três meses por ano, mas a condição de serem independentes. No entanto, o meio está invadido de atividades criminais que a cidade de e o cantão (estado) de Zurique têm dificuldade de conter.

Meses de tortura
É um verdadeiro filme de horror que transcorre na sala do tribunal. Segundo a procuradora, as violências descritas pelas vítimas são tão traumatizantes que se questiona se as testemunhas nada omitiram, por contar é extremamente difícil.

Além do tráfico de seres humanos e o encorajamento à prostituição, os delitos enumerados pelo ato de acusação vão da interrupção de gravidez por agressões no ventre ao estupro, passando por lesões corporais, risco de vida, ameaças de todo tipo e diversas infrações à lei dos estorpecentes e ao direito de estadia de estrangeiros, tudo com reincidência.
Origens muito pobres
Provenientes de meios extremamente pobres, sem formação e sem perspectivas de futuro, atraídas pelos ganhos rápidos e a promessa de poder ajudar a família distante, certas vítimas vieram para a Suíça voluntariamente.

"A introdução da livre circulação das pessoas (regida por acordos bilaterais entre a Suíça e a União Europeia) deixando de exigir visa para países como a Romênia, facilita muito as atividades criminais", precisa Eva Zwhalen, porta-voz da Secretaria Federal de Polícia (Fdpol). "Em matéria de tráfico de seres humanos, a Suíça resta um país muito atrativo onde grandes ganhos podem ser realizados com riscos mínimos de processo penal", acrescenta.

Brevemente uma residência protegida
Em Zurique, o Centro de Assistência aos Migrantes e às Mulhres Vítimas do Tráfico (FIZ, na sigla em alemão), uma infraestrutura pioneira na Suíça, vai abrir brevemente uma residência protegida para acolher as vítimas do tráfico de seres humanos. Um cargo foi colocado em concurso e uma das qualificações exigidas é saber húngaro.

Fedpol, e especialmente o Serviço de Coordenação Contra o Tráfico de Migrantes (Scott), ligado à Fedpol, reconhecem o trabalho pioneiro desenvolvido em Zurique. "Em 2004, foi o primeiro cantão (estado) a implantar um mecanismo de cooperação interserviços, afirma Eva Zwahlen. Com o FIZ, Zurique dispõe ainda de um de ajuda especializado para as mulheres vítimas do tráfico".

Atualmente, 13 cantões também têm esse mecanismo – denominado "mesa redonda" – ou estão em fase de implementação. Na parte de língua francesa da Suíça, essa estrutura existe em Friburgo (2007), Vaud (2009) e Genebra (em fase de conclusão).

A Secretaria Federal de Polícia admite que "em termos de recursos, as polícias estaduais frequentemente não têm meios suficientes para essa problemática. A mesma constatação vale para ajudar as vítimas, que geralmente precisam da ajuda de especialistas, mas muitas vezes não têm."

Proteção de testemunhas
Doro Winkler, do FIZ, acha que a legislação é adequada. "A lei contém uma boa definição do que é o tráfico de seres humanos e as sanções possíveis podem ser pesadas“. A especialista constata, no entanto, "uma falta de sensibilidade em certos tribunais para reconhecer a gravidade desses crimes; esperamos que o processo de Zurique seja um exemplo."

Elementos essenciais do processo penal e da sanção, as testemunhas deverão brevemente dispor de um novo instrumento: uma lei de proteção extra processual de testemunhas está sendo preparada.

Em Zurique, as vítimas que testemunham no processo em curso foram colocadas num pograma de proteção. "Se necessário, elas terão uma nova identidade, uma nova existência", explica a procuradora Silvia Steiner.

Trabalho de Sisifo
A justiça parece estar diante de um trabalho de Sisifo: "Quando prendemos cinco pessoas um dia, outras cinco estarão ativas no dia seguinte", afirma a procuradora, convencida que o fenômeno é o mesmo em todas as grandes cidades europeias.

"Talvez o processo possa contribuir para mostar aos clientes potenciais que as prostitutas da rua Sihlquai não são moças felizes com roupas coloridas, mas sim vítimas de métodos extremamente brutais." O veredicto é aguardado para dezembro.

Da Prostituição em Zurique
Segundo os controles de polícia (dados parciais), a prostituição cresceu 20% em 2009. A polícia contabilizou 3778 pessoas, entre elas 314 originárias da Hungria.

Dados da Secretaria Federal de Polícia indicam que 14 mil prostitutas trabalham na Suíça, metade ilegalmente. Três quartos das prostitutas vem do estrangeiro, principalmente dos países do Leste Europeu.

Conforme o Centro de Assistência aos Migrantes e às Vítimas de Tráfico de Seres Humanos de Zurique (FIZ), o tráfico de mulheres também aumentou.

O serviço especializado “Makasi” registrou 184 casos, entre eles 124 novos casos em 2009. Desse número, 56% são de mulheres forçadas a se prostituírem; 7% trabalham em cabarés, 6% em estabelecimentos privados.

Dos 184 casos registrados pelo FIZ, 56% vinham do Leste Europeu, 16% da Ásia, 14% da América Latina e Caribe, 12% da África e 2% da Europa.

Segundo o Serviço de Coordenação contra o Tráfico de Seres Humanos (Scott), ligado à Secretaria Federal de Polícia, a maioria das vítimas de exploração sexual são mulheres de 17 a 25 anos, provenientes dos seguintes países: Hungria, Romênia, Bulgária, Brasil, República Dominicana, Tailândia, Nigéria e Camarões.

O caso da Hungria
O processo de Zurique envolve 20 pessoas de nacionalidade húngara (4 acusados, uma acusada que também é vítima e 15 vítimas) e uma romena.

Em junho, a polícia de Zurique prendeu 14 pessoas, entre elas 13 húngaras, em uma investigação de tráfico de seres humanos e proxenetismo. No total, 22 vítimas, todas húngaras e uma romena, entre 18 e 32 anos foram interrogadas.

A polícia de Zurique é pioneira na Suíça: o Scott iniciou em 2009 uma série de mesas-redondas Suíça-Hungria, a pedido da polícia de Zurique.

Desde então, investigadores da polícia de Zurique viajam regularmente para a Hungria.

Se o fenômeno foi detectado inicialmente em Zurique, um aumento do tráfico de mulheres húngaras foi constatado em 2009 em toda a Suíça, segundo Fedpol.

Na parte de língua francesa, na cidade de Lausanne (oeste) também aumentou o número de mulheres húngaras e seus proxenetas.
Adaptação - Claudinê Gonçalves

PROSTITUIÇÃO JUVENIL PREOCUPA

por Thomas Stephens
15.09.2010


Cada vez mais adolescentes suíças se prostituem para poder se dar ao luxo de comprar roupas caras ou outros objetos de consumo, como informa a mídia helvética. Neste contexto, a Associação Suíça de Proteção à Criança reivindica o aumento da idade legal mínima de prostituição de 16 para 18 anos no país.

Ela alerta para o fato da idade legal para o exercício da prostituição ser de 21 anos em países vizinhos como a Alemanha e, de 18 na França e na Itália. O risco é da Suíça poder se tornar um "paraíso para turistas do sexo com adolescentes."

"Precisamos fechar essa brecha legal", declara Ruth-Gaby Vermot, uma ex-parlamentar e membro do conselho da associação. "Do contrário, nossa legislação irá atrair pessoas de outros países que sabem que aqui é possível ter sexo com meninas de 16 e 17 anos sem ser punidos."

A prostituição é legal na Suíça. A maioridade sexual é de dezesseis anos, embora a diferença de idade permitida entre as duas partes seja de três anos ou menos. Por exemplo, entre uma pessoa de 13 anos e uma de 15, estas não poderiam ser processadas.

"É importante ressaltar que essas são duas questões separadas", ressalta o porta-voz da Polícia Federal Suíça, Guido Balmer. "Não há nada no Código Penal sobre prostituição. Existem várias sub-cláusulas – proxenetismo está banido, por exemplo – mas a prostituição não é. Já em relação ao abuso sexual, o Código Penal contém uma longa lista de delitos."

Se você tem quinze anos não pode se prostituir porque é menor e não graças a uma lei que regulamente a prostituição. Sexo com pessoas de mais de dezesseis anos é legal – pagar para isso não muda nada.

Embaraçado
Para a Associação Suíça de Proteção à Criança a situação é inaceitável. "A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança assim como o protocolo adicional sobre a venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil – os dois ratificados pela Suíça – prevêem a proteção das crianças contra a exploração sexual até a idade de dezoito anos", lembra Karolina Frischkopf, membro da associação.

"O problema é que as nossas leis não fazem qualquer alusão à situação daqueles que têm entre 16 e 17 anos e se prostituem voluntariamente. Todas as outras situações são cobertas pela atual legislação. Trata-se de uma questão de fechar essa brecha legal."

A associação exige, portanto, que a idade legal para prostituição seja elevada a dezoito anos e que o sexo pago com pessoas de idades entre 16 e 17 anos se torne um delito punível pela lei.

Outras organizações também se mostram contrariadas pela atual situação em um país que trabalhou tão duro pelo direito das crianças nos últimos anos. "Para a Suíça é simplesmente embaraçoso", avalia Susanne Seytter do FIZ, ONG de defesa dos direitos da mulher sediada em Zurique.

Ponto de vista do governo
Para o Ministério da Justiça, o que conta é a Convenção do Conselho da Europa de Proteção da Criança contra a Exploração e Abuso Sexual, que o governo ainda não decidiu se vai assinar e retificar.

Ela foi adotada e aberta para assinatura durante a 28° Conferência de Ministros Europeus da Justiça em julho de 2007 em Lanzarote, Espanha.

"Esta convenção trata, entre outras coisas, da questão de penalizar aqueles que se aproveitam dos serviços de prostitutas de 16 a 17 anos de idade", explica à swissinfo o porta-voz do ministério, Folco Galli.

No entanto, a convenção precisa ainda passar por um procedimento de consulta, análise do processo de consulta, para posteriormente enviar o projeto de lei ao Parlamento que poderá emendá-lo. Resumindo: a idade legal para a prostituição na Suíça não irá aumentar para 18 anos no futuro breve.

Sexo por marcas
O que se tornou conhecido como "sexo por marcas" é o fenômeno de cada vez mais adolescentes na Suíça escolherem a prostituição ocasional como forma de melhorar a "mesada" para compra de roupas de grife e outros bens de consumo.

Garotas fazem "propaganda" dos seus serviços através de páginas na Internet ou frequentando discotecas luxuosas. Um clube noturno de Zurique chegou a organizar uma festa temática – incluindo muitas convidadas de 16 anos.

A demanda online por jovens prostitutas é grande e os anúncios enfatizam o fato de que essas meninas entre 16 e 17 anos estarem disponíveis. Porém Ruth-Gaby Vermot alerta que as meninas trabalhando sozinhas de forma privada estão à mercê da boa vontade dos clientes.

Frischkopf ainda acrescenta: a prostituição de adolescentes pode resultar em uma situação em que a menina envolvida seja afastada de uma vida normal, afinal ela é feita em segredo e não pode ser compartilhada com a família ou amigos.

"A situação piora ainda mais pelo fato de que o dinheiro fácil obtido com essas atividades prejudicam outros desafios na vida como estudar ou ter um trabalho menos atrativo", diz.

"A prostituição não é apenas um 'pecado da juventude' que pode ser esquecido facilmente. O ato de vender o corpo marca uma pessoa por toda a sua vida."

Um relatório da Polícia Federal da Suíça de 2007 estima que a indústria do sexo gera 3,2 bilhões de francos (US$ 2,6 bilhões) de negócios na Suíça. O número de prostitutas trabalhando no país aumentou em 20% entre 2003 e 2005, com 14 mil "trabalhadoras do sexo" registradas oficialmente em 2005. O relatório também estima que entre 1.500 e 3 mil pessoas foram vítimas do tráfico humano no país em 2005.

Sexo Legal
O exercício da prostituição é legal na Suíça, mas as prostitutas devem se registrar junto às autoridades e serviços públicos de saúde. Elas também são obrigadas a fazer exames regulares. Relações sexuais com pessoas de idade abaixo dos 16 anos são puníveis por lei com até cinco anos de prisão.


A idade legal para prostituição é de 21 anos na Alemanha. Na França e na Itália é de 18.
O proxenetismo na Suíça é ilegal e pouco comum: a maioria das prostitutas trabalha de forma independente em pequenos quartos, onde o contato é feito por telefones celulares. Elas estão proibidas também de exibir o corpo em espaços públicos,embora exista prosituição de rua.

O tráfico humano pode levar a penas de prisão de até 20 anos. Também coerção ao meretrício é punível com até 10 anos de prisão. As leis também estão sendo modificadas para tornar a exploração de trabalho escravo e a remoção de órgãos humanos passíveis de prisão.

O visto "L" foi criado em 1975 e permite a mulheres originárias de países com os quais a Suíça não tem acordos de livre circulação de mão-de-obra, como é o caso da União Européia, a trabalhar como dançarinas em cabarés por até oito meses.

www.swissinfo.ch/