ESTADOS UNIDOS Pena de morte

Teresa Lewis, a primeira mulher condenada
à morte em quase 100 anos na Virginia
20.09 2010

Tela - Jean-Michel Basquiat – Riding with Death, 1988
A avó de 41 anos alcançou 70 e 73 em dois testes de QI e mantinha uma relação amorosa com o homem que matou o seu marido. Shallenberger suicidou-se na prisão

A ala de isolamento do Centro Correccional de Fluvanna para Mulheres é um local cacofónico. A atmosfera fica frequentemente irrespirável com as piadas e os insultos das mulheres que cumprem penas pesadas, a maioria delas enviadas para ali devido a mau comportamento na prisão. Por vezes, quando o estado de espírito está especialmente agitado, uma voz comovente emana de uma cela no extremo da ala e a melodia de uma canção country-gospel ergue-se acima do tumulto. Toda a ala acalma para ouvir. Daqui a três dias, a não ser que haja uma intervenção de última hora do governador Bob McDonnell ou do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, essa voz será silenciada. Pela primeira vez em quase 100 anos, no dia 23 de setembro, o Estado da Virginia irá executar uma mulher.

Teresa Lewis, hoje uma avó de 41 anos, declarou-se culpada de ter planeado os homicídios por encomenda do marido e do enteado na Pittsylvania em 2002. Foi condenada à morte. Os assassinos receberam prisão perpétua. O procurador-geral da Virginia, Ken Cucinelli, considera que a sentença de morte se justifica por causa da "natureza brutal dos crimes e do comportamento insensível, manipulador, adúltero, ganancioso e chocante de Lewis". Lewis tirou dinheiro da carteira do marido enquanto este morria em consequência dos ferimentos, e esperou 45 minutos para chamar a polícia, registou Cucinelli num documento apresentado em tribunal. Mantinha, também, um caso amoroso com um dos assassinos.

Os advogados da detida estão a fazer um esforço de última hora para conseguirem salvá-la. A ajudá-los está a capelã da prisão, que se tornou amiga de Lewis em Fluvanna e que defende que a profunda fé cristã da reclusa do corredor da morte é uma fonte de conforto, força e inspiração para as outras prisioneiras.

A reverenda Lynn Litchfield cresceu em Norfolk, filha de um sacerdote baptista. Demitiu-se no ano passado depois de quase 12 anos como capelã em Fluvanna, ficando livre para defender Lewis.

"Acredito sinceramente que a vida de Teresa Lewis é digna da comunidade da Virginia", escreveu no mês passado numa carta para McDonnell, pedindo a alteração da sentença de morte para prisão perpétua. "Ela pode ser uma força positiva no sistema prisional e ajudar outras detidas." A carta de Litchfield e muitos outros materiais a apoiar o pleito de misericórdia para Lewis podem ser vistos em http://www.saveteresalewis.org/.

A causa foi adoptada também pelo "Religious Herald", o bissemanário dos Baptistas da Virginia. Um artigo assinado no mês passado pelo editor, o reverendo Jim White, encorajava os leitores a contactarem McDonnell e a pedirem clemência para Lewis. Os baptistas, que são a maior denominação protestante do Estado, tendem a apoiar a pena capital. Por isso, o caso coloca um problema difícil a McDonnell, um republicano católico que defende a pena de morte e que foi eleito no ano passado com forte apoio dos cristãos evangélicos. White afirma ter decidido juntar-se à campanha depois de ler um testemunho de outra reclusa a atestar a fé cristã de Lewis.

"Quando li aquilo, vi que de facto a vida de Teresa estava a fazer a diferença para as outras reclusas e pensei comigo que valia a pena poupar esta vida", diz. "Tenho a certeza de que ainda não chegámos ao ponto, neste país, de enviar pessoas para a morte sem qualquer tipo de problematização das questões." Uma dessas questões é a capacidade mental de Lewis.

Baixo QI
Teresa Lewis alcançou 70 e 73 em dois testes de QI, sendo que qualquer resultado abaixo dos 70 é indício de deficiência mental. O Supremo Tribunal decidiu em 2002, noutro caso na Virginia, que os deficientes mentais não podem ser executados.

Philip Costanzo, professor de Psicologia na Universidade de Duke que entrevistou Lewis depois da condenação, caracterizou a sua idade mental como sendo a de uma pessoa de 12 ou 13 anos e concluiu que ela "não possui a capacidade intelectual para calcular e planear estes homicídios". Costanzo concluiu também que Lewis sofre de personalidade dependente, descrevendo-a como "uma pessoa passiva, submissa e complacente que procura a aprovação, em particular dos homens".

Um desses homens era Matthew Shallenberger, que matou o seu marido, Julian Lewis. Shallenberg e Teresa Lewis mantinham um caso amoroso na altura. Shallenberger, que se suicidou na prisão, disse numa carta e numa entrevista com um investigador privado - a seguir aos julgamentos - que tinha manipulado Lewis e planeado as mortes, esperando receber o dinheiro do seguro de vida para financiar um negócio de droga.

Rodney Fuller, que matou o enteado de Teresa, C. J. Lewis, corroborou as palavras de Shallenberger numa declaração no mês passado. "Tudo o que aconteceu foi planeado por Matthew", escreveu. "Foi ele quem tratou dos pormenores e disse, desde o início, que estava a usar a Teresa pelo dinheiro."

Shallenberger tinha outras mulheres ao mesmo tempo, escreveu Fuller. Seja como for, Lewis enchia-o de presentes e cartões, lavava a louça e limpava a caravana onde Shallenberger e Fuller viviam. "Parecia que Teresa realmente amava Matthew", escreveu Fuller. "Fazia tudo o que ele lhe pedia!"

Lewis pagou as armas que foram usadas nos homicídios e deixou os assassinos entrar pela porta das traseiras da caravana da família. Para além das suas deficiências intelectuais e psicológicas, Lewis estava na altura viciada em medicamentos. Segundo o seu advogado de recurso, James Rocap, nenhuma das deficiências da sua cliente foi correctamente investigada ou apresentada ao juiz pelos advogados que a defenderam em tribunal.

Seguro de vida
Julian Lewis trabalhava na fiação Dan River, em Danville, fábrica que entretanto fechou. O seu filho mais velho, Jason, morreu num acidente de automóvel em 2001, deixando o pai como beneficiário de um seguro de vida de 200 mil dólares (153 mil euros). O filho mais novo, C. J., reservista do exército, tinha uma apólice de 250 mil dólares (192 mil euros) que nomeava o pai como primeiro beneficiário e a madrasta como segunda beneficiária. Os promotores públicos retrataram Teresa Lewis como a arquitecta do plano para matar os dois homens e dividir o dinheiro do seguro com os assassinos. Poucos dias depois dos homicídios, Lewis tentou levantar 50 mil dólares (38 mil euros) da conta do marido, apresentando um cheque alegadamente assinado por ele. O banco recusou o levantamento.

Os advogados que defenderam Lewis em tribunal aconselharam-na a declarar-se culpada e a renunciar ao seu direito a um julgamento com júri, acreditando que provavelmente o juiz não a condenaria à morte. Mas isso não aconteceu. A sentença será executada por injecção letal.

Kathy Clifton, filha de Julian Lewis, disse à estação de televisão WSET, de Lynchburg, que tenciona assistir à execução. Afirma não acreditar na carta de Shallenberger a reclamar a responsabilidade do planeamento dos homicídios. "Conheci Teresa antes de isto acontecer. Sabia que tipo de pessoa era", afirma Clifton. "Não se deixaria manipular se não quisesse." O promotor público do condado de Pittsylvania que acusou Lewis, David Grimes, não atendeu os telefonemas do "The Virginian-Pilot".

Litchfield conheceu Lewis em Junho de 2003 quando a reclusa chegou a Fluvanna, uma das duas prisões femininas do Estado. Como é a única mulher condenada à pena de morte, o Estado preferiu colocá-la em Fluvanna em vez de levá-la para o meio dos prisioneiros masculinos do corredor da morte na prisão estadual Sussex I. Antes de Teresa Lewis, a última mulher a ser executada na Virginia foi Virginia Christian, uma empregada doméstica afro-americana de 17 anos condenada por matar o patrão (branco) em 1912.

De pé e acorrentada na área de visitas de Fluvanna, Lewis foi apresentada ao pessoal da prisão. "Não conheço tudo aquilo por que passou, mas posso imaginar que tenha sido horrível", disse Litchfield. "Posso abraçá-la?" "Sim, por favor", respondeu Lewis.

Estranha amizade
Como capelã, Litchfield estava autorizada a ter encontros semanais com Lewis. As duas sentavam-se em lados opostos da porta da cela, tocando-se nas mãos através da abertura usada para os tabuleiros de comida. "Durante seis anos", diz Litchfield, "as minhas mãos foram as únicas que seguraram as dela".
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Não há dúvida de que Lewis aceita a responsabilidade pelo seu papel nos homicídios, afirma a capelã, enquanto recorda uma noite em que agarrou a mão da reclusa através da abertura e Lewis, dominada pelos remorsos, lhe apertou o pulso e chorou copiosamente. Litchfield também chorou nessa noite. A capelã diz que só gradualmente se apercebeu dos limites da inteligência de Lewis.

"Vê o mundo com grande simplicidade. De certa forma, foi isso que lhe trouxe problemas. Não acho que ela tivesse capacidade para compreender as consequências do seu comportamento a longo prazo. Por outro lado, Teresa é capaz de aceitar as outras mulheres da prisão como elas são. Ninguém a apanha a perguntar: ''Porque é que ela está aqui? Que é que ela fez? Que tipo de pessoa é?'' Vê apenas o que está à sua frente e deixa-se ir, o que faz com que seja muito protectora e amável com as outras mulheres."

Embora não possa ver nem tocar nas restantes reclusas, Lewis encontrou formas de construir relações com elas, revela Litchfield. Deita-se frequentemente no chão da cela e fala com elas através da canalização e das condutas de ar.

Lewis teve educação religiosa, mas a sua fé ficou ainda mais profunda na prisão, pelo que agora sente a necessidade de a partilhar, recorrendo a um vasto rol de hinos inspiradores, conta a capelã. "Tem uma bela voz para cantar." Da última vez que Litchfield viu Lewis, em 2009, a Bíblia que a capelã lhe dera anos antes estava a desfazer-se devido ao uso intensivo.

"Não tenho a mais pequena dúvida de que a fé de Teresa é sincera, de que ela não é o cérebro deste crime e de que seria um benefício para a comunidade dentro da prisão", argumenta Litchfield. "É alguém que caminhou por onde as outras reclusas caminharam."

Lewis espera na cela pelo seu destino, cada vez mais próximo. Como está no isolamento, não tem autorização para assistir aos serviços religiosos de Fluvanna. Em vez disso, escreveu um testemunho que foi lido por outra reclusa há duas semanas. Ela não quer morrer. Escreveu: "Sinto que ainda tenho muitas pessoas para conhecer e ajudar." Porém, acrescenta: "Não estou preocupada. Confio em Jesus."

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