BRASIL EM PORTUGAL

Serra é o candidato da burguesia,
Dilma é versão feminina de Lula

por Ana Rita Guerra em Cumbuco, Ceará
29.10. 2010

O povo vai decidir dentro de dois dias quem é o novo presidente do Brasil. O i conta-lhe o que se diz nas ruas do Ceará, uma espécie de Lulistão

Se dúvidas houvesse, as sondagens do Instituto Datafolha publicadas ontem vieram desfazê-las: Dilma Rousseff consolidou a vantagem sobre José Serra e está a caminho do Planalto para se tornar na primeira mulher a presidir aos destinos do Brasil. A dois dias da segunda volta, a protegida do ainda presidente Lula da Silva tem 12 pontos de vantagem e meio Brasil do seu lado. É praticamente impossível encontrar um brasileiro em Cumbuco, uma vila a 33 quilómetros de Fortaleza, que diga que vai votar em Serra. Percebe-se porquê: o Ceará foi um dos Estados onde o nível de vida subiu mais desde que Lula chegou ao poder, em 2002.
.
"O actual governo melhorou muito a vida do povo brasileiro, facilitou que as pessoas tenham negócio próprio, que tenham um emprego, qualificação... isso melhorou o padrão de vida", refere Davi Perez de Sales, um auditor de 29 anos. Vai votar em Dilma porque isso lhe garante a continuidade do trabalho de Lula. Mas também porque se recorda do papel que José Serra teve quando foi ministro de Fernando Henrique Cardoso - a quem todos se referem como FHC, e que nesta região funciona como uma espécie de código para designar os anos de pobreza. Davi esfrega as mãos e limpa o suor da testa quando afirma que Serra, o candidato do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), vai "trabalhar para o pessoal do Sul", tal como Lula trabalhou para os nordestinos quando foi eleito.
.
Ana Carolina, uma relações públicas de 29 anos, alinha pelo mesmo discurso. "O Serra se ganhar vai governar para os burgueses mesmo, vai fazer um governo para empresários", diz. Ana Carolina não poderá votar porque é de Brasília e não se registou a tempo. No entanto, terá de enfrentar exactamente as mesmas filas que os outros cidadãos, porque precisa de ir justificar a ausência nas urnas da cidade natal. Votaria em Dilma, "com certeza", apesar de reconhecer que "Serra é mais bem preparado".
.
Qualquer que seja a forma da pergunta, a resposta vai sempre dar ao mesmo: os nordestinos não querem perder a melhoria do nível de vida que ganharam e têm medo de um regresso ao passado. É por isso que apontam sempre para o mesmo defeito no candidato do PSDB: já esteve no governo e não deixou saudades. "O ponto ruim do Serra foi que ele esteve no governo de FHC e participou da venda de empresas estatais", lembra Davi de Sales. Este é, aliás, o tema de um dos anúncios contra o candidato que passam vezes sem conta na televisão brasileira: "O Serra é a marca das privatizações, cuidado", alerta a propaganda. Ana Carolina pensa o mesmo. "Vai vender tudo de novo, porque ele governa para quem tem dinheiro."
.
No entanto, mesmo entre os apoiantes de Dilma há quem reconheça mérito ao adversário. "Acredito que ele também seria um bom gestor", diz Rosembrink Dias Calado, um jovem de 31 anos que
começou esta semana a trabalhar no novo empreendimento da Vila Galé em Cumbuco. "Só que pela questão do Lula já vir conseguindo muita coisa boa para o nosso país, que agora é respeitado, a Dilma é a minha candidata", completa. Ao longo de dez minutos, Rosembrink engana-se duas vezes e diz que vai votar "na Lula".
.
É o reflexo perfeito da linha cada vez menos ténue que existe entre a candidatura de Dilma e a sombra do presidente. Ana Carolina confirma. "Está subentendido que ele vai continuar governando o país", e ninguém tem problemas nenhuns com isso. Em comum, quase todos têm a noção que o facto de se tratar de uma mulher só vai trazer vantagens. Talvez porque Dilma apareça como uma mulher decidida e ainda assim sensível a problemas como "a saúde de crianças e mulheres", diz Ana Carolina.
.
Talvez porque muitos estão fartos da hegemonia masculina e apontam para o exemplo de Kirchner na Argentina, como acredita Rosembrink. Ou apenas porque Dilma é o braço direito de Lula, e escândalo nenhum conseguiu superar o facto de muitos brasileiros terem realmente subido de nível de vida. "O pobre tom ou gosto", graceja Ana Carolina. E agora ninguém quer perder o que já foi conquistado.
www.ionline.pt/


BRASIL NA ESPANHA

La agresiva campaña genera el desencanto de los brasileños

Los sondeos elevan la distancia de Rousseff sobre Serra y prevén un alza de la abstención y del voto en blanco

JUAN ARIAS, Rio de Janeiro
29.10.2010
El desencanto cunde entre los 135 millones de electores brasileños convocados a las urnas el domingo para sustituir al popular y carismático presidente Luiz Inácio Lula da Silva. La agresividad de la campaña, los insultos mutuos de los dos candidatos, la falta de programas diversificados y la insistencia de Lula para que voten a su candidata, Dilma Rousseff, podrían llevar, según los sondeos, a una abstención y a un número de votos blancos y nulos mayor que nunca. A la vez, las últimas encuestas otorgan una clara ventaja a Rousseff sobre su competidor, José Serra, que se situaría a entre 10 y 15 puntos de distancia.
.
Al desencanto generado por las carencias de la campaña se suma un puente de cinco días que une la festividad de difuntos al día de los funcionarios. La coincidencia podría hacer que, sobre todo en las grandes ciudades, cantidad de electores dejen de votar en la segunda ronda de las presidenciales. En Brasil, el voto es obligatorio, pero es suficiente pagar una multa de poco más de un euro para no sufrir ninguna consecuencia legal. En la primera ronda, la abstención rondó el 18%, y las encuestas la proyectan ahora por encima del 20%.
.
Muchos artistas e intelectuales que en un primer momento habían declarado su voto a favor de uno de los candidatos han acabado echando marcha atrás, anunciando que votarán nulo.
Lula quiso convertir estas elecciones en un plebiscito que comparase sus logros de ocho años de Gobierno con el pasado. Por ello, el eslogan acuñado para la campaña de Rousseff fue que los electores tendrían que decidir entre el progreso y el atraso, entre seguir su camino o volver atrás. La ecologista Marina Silva, en la primera vuelta, luchó para quebrar dicho plebiscito, presentándose como una alternativa basada en propuestas avanzadas y nuevas de política ambiental. Lo logró y con sus inesperados 20 millones de votos forzó una segunda ronda.
.
En las últimas semanas de campaña, sin embargo, los dos candidatos se olvidaron de sus programas -o se los fueron copiando descaradamente- y se concentraron más bien en una guerra de biografías: la inexperiencia política de Rousseff, que nunca había disputado unas elecciones, y la de Serra, con 40 años de vida pública a las espaldas.
.
En la confrontación, se desencadenó una campaña agresiva y hasta violenta físicamente, con el ataque a Serra en Río por parte de los militantes del partido de Rousseff, el Partido de los Trabajadores. Los programas de televisión se convirtieron, más que en la plataforma para presentar propuestas concretas, en la ocasión para lanzarse insultos recíprocos, con acusaciones de corrupción y descalificaciones de todo tipo.
.
Todo pareció valer, hasta la mentira. La campaña de Rousseff colocó en las listas de los artistas e intelectuales que la apoyan nombres famosos como el del mayor poeta vivo, Ferrera Gullar, siendo falso. Apoyando a Serra, llegaban mensajes de Marina Silva, la candidata ecologista, cuando ella había declarado públicamente su neutralidad y la de su partido, el Partido Verde.
www.elpais.com/