LÍNGUA PORTUGUESA

Os equívocos da CPLP

Encerrada a Cúpula, abre-se uma nova etapa. Angola, que assume agora a Presidência da CPLP pelos próximos dois anos, pode abrir um novo ciclo, se tiver condições para iniciar um processo de reforma.

por Alfredo Prado
26.07.2010

A Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada na última semana na capital angolana, se vier a ter algum interesse histórico será mais pelo que não foi feito do que pelos discursos dos participantes ou pelos documentos aprovados.

As conclusões saídas da Cimeira de Luanda reflectem as dificuldades da entidade em se estruturar e ultrapassar o pecado original, ou seja, os equívocos que marcaram o seu nascimento e que perduram.

A criação da CPLP, idealizada pelo brasileiro José Aparecido de Oliveira, na época embaixador do Brasil em Lisboa, e apadrinhada pelo então presidente de Portugal, Mário Soares, ganhou a luz do dia, há 14 anos, perante os olhares cépticos ou mesmo contrariados dos países chamados a nela participar.

Por razões diversas e apreciações diferenciadas sobre os papéis que a nova organização seria chamada a desempenhar, os líderes políticos dos países que a integram nunca se empenharam em ultrapassar a marca “made in Portugal”, que presidiu à sua criação.

Soares era, na altura, persona non grata em Angola, pelo seu posicionamento político a favor da Unita, que prolongava a guerra civil no país. Já José Aparecido de Oliveira, entretanto falecido, era olhado com animosidade em diversos sectores políticos brasileiros.

Nos corredores do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, a CPLP foi praticamente ignorada durante vários anos. Não havia dinheiro para cooperação e a mídia também não se interessava pelo assunto, diziam.

Diplomatas com responsabilidades na política externa consideravam a CPLP uma “criação” dos portugueses, para a qual a contribuição brasileira seria residual, já que, argumentavam, quem tinha responsabilidades históricas junto das ex-colónias portuguesas era Lisboa e não Brasília.
Mais de uma década volvida, a CPLP continua a enfrentar os equívocos gerados na sua génese.

Os políticos no poder em Portugal agem, frequentemente, como se a entidade fosse uma quinta particular. Já no Brasil, ela é vista apenas como uma pequena ferramenta, ao serviço do pragmatismo que norteia as relações internacionais do país.

Em diversas ocasiões, sobretudo ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, que deixa o Palácio do Planalto no dia 1 de Janeiro de 2011, o Brasil tornou bem claro que o seu relacionamento com os países africanos e nomeadamente com os lusófonos se desenvolve muito além das fronteiras da CPLP.

A ausência de Luiz Inácio Lula da Silva da cimeira de Luanda, sem qualquer razão de peso - o presidente brasileiro justificou a não comparência com a necessidade de visitar áreas no nordeste do país atingidas por cheias, numa altura em que as acções de emergência já tinham sido lançadas e as populações socorridas - evidencia o lugar ocupado pela CPLP na definição da política externa do país.

Já a forma como foi resolvido, ou não resolvido, o pedido de adesão da Guiné Equatorial a membro pleno da comunidade mostra a necessidade de reformular a entidade. Contra a vontade, tornada pública, da maioria dos países membros, o presidente Cavaco Silva e o primeiro-ministro José Sócrates, de Portugal, identificados em espectros políticos contrários, mas irmanados na cruzada da “pureza” da CPLP, bateram o pé e decidiram que Malabo ainda não pode ser um par entre os pares. Terá de provar, primeiro, que cumpre os requisitos estatutários da CPLP.

Uma posição curiosa, pois é difícil encontrar quem cumpra integralmente tais requisitos, entre os países membros, incluindo Portugal. Ou será que Portugal é um país “socialmente justo”?

“O principal critério para Portugal ter rejeitado a entrada da Guiné Equatorial foi a necessidade de se respeitarem os Estatutos da CPLP - como defenderam José Sócrates e Cavaco Silva. O artigo em causa afirma que a CPLP é regida pelos princípios do "Primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social" (art.5o).

É irónico que, se fossem dissecados com ciência os actuais membros da CPLP, nenhum deles preenche todos estes requisitos. Justiça social no Brasil? Estado de Direito na Guiné Bissau? Direitos humanos em Angola? O que também é surpreendente é que, segundo os mesmos Estatutos, os países observadores da Comunidade também têm que se reger por esses mesmos princípios (art. 7o).

Mas em 2006, a CPLP não se coibiu de aceitar a Guiné Equatorial como observador. É esta falta de coerência que mina e descredibiliza a organização”, escreve o português Rodrigo Tavares, investigador de pós doutoramento na Universidade de Columbia (EUA) e consultor do Secretariado da ONU, na revista Visão.

Encerrada a cimeira, abre-se uma nova etapa. Angola, que assume agora a Presidência da CPLP pelos próximos dois anos, pode abrir um novo ciclo, se tiver condições para iniciar um processo de reforma da CPLP, que a torne conhecida, respeitada e útil aos países membros.
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